quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

E, de novo, veio-lhe à cabeça uma ideia que já conhecemos: A vida humana só acontece uma vez e não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou a má decisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos é dada uma segunda, uma terceira, uma quarta vida para que possamos comparar decisões diferentes.
Milan Kundera em 'A insustentável leveza do ser'

É de praxe sustentar todos estes fardos sobre as costas.

E talvez, depois de ter acostumado com o buraco no peito eu tenha esquecido como se coloca a agonia para fora. Eu vou aprendendo a andar com mais cautela, aprendo a dar mesmo ênfase a todas as expectativas criadas pelo meio do caminho, e ainda assim esborracho minha face contra o chão. Descubro-me frágil em noites frias, e ainda choro agarrada ao travesseiro ou até mesmo debaixo do chuveiro. Eu sempre quero abafar a dor, assim como abafo o som dos meus soluços. Eu quero fingir que não sinto, que não dói. Eu abafo para fingir que não aconteceu, que as lágrimas não foram derramadas… Porque eu tenho esse desejo de apagar os vestígios da dor, só para provar que sou inalcançável. No entanto não há nada a ser provado, não há uma única alma para ser convencida sobre a capacidade surpreendente dos meus alicerces. Cada um de nós anda imerso no próprio mundo, no próprio egoísmo. A gente faz tudo girar ao nosso redor… O meu centro é ocupado pelo coração, e o resto é só a razão querendo me convencer a não dar tanta importância ao que é efêmero ou até mesmo eterno. Porém não adianta, porque eu ainda insisto em tornar o mundo maior. Eu tenho o dom de tornar as coisas gigantescas, ao ponto de ser engolida por cada uma delas. Os sentimentos mais mundanos são relevantes em meu peito, e não importa se é efêmero.Eu fecho os olhos para engolir tudo, mas o tudo é que me engole. Ninguém será capaz de me convencer de que não estou sozinha, talvez porque eu até goste do sabor triste da solidão. Eu aceito a minha fragilidade, e hoje entendo que o que me faz forte não é o quão solida ou inquebrável eu sou, a minha fortaleza encontra-se na capacidade que possuo de me remendar, juntando cada pedacinho, costurando os trapos. Por isso jamais serei inteira, sempre haverá uma rachadura, uma marca, ou uma parte quebra. Porque eu me desmancho, e me refaço. (…) Caminhando sozinha, e tecendo teorias sobre os meus choros e contando os sorrisos sinceros. Por ora, a tristeza me acolhe e me deixa calada com o rosto do lado de fora da janela do carro. A tristeza é o vento que faz carícias em meu rosto, e me coloca para dormir enquanto admiro as estrelas e sustento os fardos de uma vida.
Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio; que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca; porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio… Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que tristeza; que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante; porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade… Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos; porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo… Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço; e que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada; porque metade de mim é o que penso, mas a outra metade é um vulcão… Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável; que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que me lembro ter dado na infância; porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei… Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito, e que o teu silêncio me fale cada vez mais; porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço… Que a arte nos aponte uma resposta. Mesmo que ela não saiba e que ninguém a tente complicar, porque é preciso simplicidade para faze-la florescer; porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção… E que a minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor e a outra metade… também.
Oswaldo Montenegro

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Eu estou continuando, mas isso não significa que não estou assustada. A gente vai deixando o tempo passar, e sempre jogamos a culpa nos ponteiros. Talvez isto seja apenas um ato de fuga: A gente não quer mais carregar o fardo da responsabilidade. Havia corações sobre as nossas mãos, e cada ferida leva um tempo quase infinito para cicatrizar. A gente tropeçou até nos obstáculos mais insignificantes, e no fim o meu maior erro foi achar que seria fácil por se tratar de amor. Entretanto, o amor é o ponto onde os nós foram laçados, e eu não sei de onde tirar forças para seguir desatando cada nó, um por um. Chegamos a um ponto que não foi conhecido. A gente se fez como as dúvidas, e estas nos machucam durante as madrugadas. Ou melhor, me machucam. E depois de todo este tempo, eu ainda não sei muito sobre você. Mas eu sei de mim e do que eu vivi quando pensei ter o seu amor nos meus braços. Das dúvidas que mais corroem, esta se trata da ilusão. Não suporto a idéia de olhar para trás e me deparar com uma lembrança que de tão bonita, eu pensei que fosse real. Eu não quero uma paisagem construída pelo amor que eu prendi dentro do meu peito. Quero traços que foram pintados pelas nossas mãos, juntos. Não me importo caso tenhamos pintado um quadro triste, desde que esse seja real. Com a interrogação eu não consigo andar, por isso não ache estranho caso eu me afaste. Me dói quando eu o encontro e não posso ser honesta nem com você, nem comigo mesma. Eu sou a farsa mais vagabunda da indiferença. Uma máscara que cobre o rosto e faz com que eu pareça forte aos teus olhos e sentidos, mas do outro lado estou me desmanchando em lágrimas, sentindo cada cantinho do corpo pedindo por um pouco de você. And you know... I`m not that strong. No meio dessa farsa eu ainda não me permiti ceder. Não me permiti cair de joelhos e deixar sentir. Eu não posso, não mais uma vez. Nas noites passadas que se estenderam entre livros e músicas que despertavam lembranças, eu prometi que não ousaria cair. Eu assumo que o amo, mais do que eu gostaria. Eu assumo que preciso de você, da sua voz, das suas palavras e dos gestos carinhosos... Mas eu também preciso de um pouco de calma durante as madrugadas, e até mesmo durante os dias. Eu preciso da calma para não prender a voz quando falar com você. E eu já nem consigo mais falar sobre você... Porque prende tudo, enrola, sufoca. São palavras que eu gostaria de lhe dizer, e já não posso mais.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.
Friedrich Nietzsche
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações da infância. Preciso de um amigo para não enlouquecer, para contar o que vi de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças d´água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Preciso de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já tenho um amigo. Preciso de um amigo para parar de chorar. Para não viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que bata nos ombros sorrindo e chorando, mas que me chame de amigo, para que eu tenha a consciência de que ainda vivo.
Vinícius de Moraes

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Quero o mar pra mim. Em um fim de tarde, na hora em que o céu é pincelado com tintas em tons pastéis. Só pra jogar fora os sapatos e deixar as ondas beijaram meus pés, em uma leve carícia. Quando encaro o horizonte, sinto que a imagem diante dos meus olhos é capaz de despertar a esperança que por tanto tempo permaneceu escondida. Eu me encontro nas ondas… Mais necessariamente na hora em que elas se quebram, em encontro com a areia. Soa como o choque entre aquilo que sinto, com aquilo que enxergo. A alma e os sentidos. Depois de vagar por todo o oceano, chego ao fim da minha trajetória… Trago conchas e seres marinhos. Trago também as dores e todos aqueles amores; Por isso me quebro. Não deixo sobrar nenhuma sombra do que fui, mas faço na areia uma marca para avisar a minha chegada. São nos dias em que a lua muda de fase que me revelo. As máscaras sob as quais escondi minha face são jogadas ao chão, em um ato de fúria. E assim, vou quebrando-me e retornando. Em tempos, me deixo ser despida pelos ventos… Quem fala agora é a alma, o meu ponto mais profundo e desconhecido. Tece gritos sobre as dores que a apunhalaram. Rebela-se contra as incertezas, e contra tudo aquilo que um dia a confundiu. Esse é um dos meus pontos extremos… Quando dispenso a racionalidade e falo com o coração. (…) Na manhã seguinte, venha sem medos. Volto a andar pela praia, e me deparo com um mar-morto. Sou brisa leve, por ora. Morro assim, pouco a pouco. Como se houvesse tomado a dose de um veneno nocivo, que vai me consumindo através das noites, durante anos. Morro em esperanças, depois de uma noite furiosa. No fim de tarde volto a quebrar-me… Mas não se assuste. A fúria faz parte de mim. Sou feita da lua e do mar.
Às vezes me bate esse desejo de escrever a ti chamando-o pelo teu nome. Tenho gosto pelas tuas consoantes e vogais, e me encanta a sonoridade despertada na junção de tuas letras. Mesmo assim, ainda teimo em chamá-lo apenas de meu menino. Quando se trata de ti, torno-me a pessoa mais egoísta do mundo. O teu nome eu guardo particularmente para os meus lábios. Escondo do mundo as tuas cores e os teus encantos. Deixo que brilhe apenas para os meus olhos, e quero das tuas palavras e dos teus carinhos encaminhados apenas em minha direção. Mas antes que grite e suplique por um pouco de espaço parar abrir suas asas, faço questão de mostrar-lhe que estás livre. Apesar do meu incomum egoísmo em relação aos teus encantos, mantenho minha repulsa por prisões e correntes. Então brilhe, e continue a brilhar e encantar o mundo com teu coração de gigante. Eu continuo aqui a me iludir contando entre cartas que és invisível para o mundo e pertences apenas aos meus olhos. Essa noite eu voltei a sonhar com teus traços. Intriga-me ver como os cenários mudam constantemente em minha mente, e mesmo assim, tua mão continua entrelaçada a minha. Roubaste-me um beijo, e meu coração de menina ainda que derretido queria mostrar-se em fúria. Não posso deixar que tenhas a mim de tal forma. Não posso permitir que controles meu coração, minha mente, minhas mãos e meus lábios. Sei que sou sua, mas entre algumas noites e tardes de primavera, preciso ser um pouco minha também. Conheço um lugar calmo nesta cidade, meu menino. Há uma grande árvore e um delicioso aroma de grama molhada. Gosto de sentar por ali na companhia de um livro, ou de um cobertor fino que faça com que eu me sinta segura ao cair em um sono breve. Porém, nesta tarde eu gostaria da tua companhia, e dos teus braços ao meu redor, protegendo-me. Eu seria até capaz de dispensar o som do vento beijando as folhas apenas para me concentrar no som dos teus sussurros. Estou sentindo meus braços e pernas tão fracos. Não enxergo sua mão para me apoiar… Quero chorar em teu colo. Que sentir teu afago espantando meus medos. Mas ainda continuo aqui. Em um quarto, do outro lado da nossa estrada. Juntos apenas debaixo do mesmo céu. Separados pelo tempo, pela distância, pelos medos. Vou escrevendo dessas cartas para ti, ainda que esconda teu nome. Vou escrevendo e falando pro teu coração da minha saudade, da dor que tua ausência me causa. Esta noite, venha em sonhos. Venha ao meu encontro e espanta essa dor. Mas não me deixe pela manhã… Venha ver o nascer do sol ao meu lado, meu amor.

Já está tudo preparado para a sua chegada, anjo.

Querida Sofia,

Fiquei infinitamente feliz quando soube da sua vinda e de imediato comecei a contar os dias para ver o seu rosto e ouvir o som da sua risada. Logo comecei a fazer planos para você, comprar suas primeiras roupinhas e suas bonecas. Eu iria lhe contar histórias, e ficaríamos deitadas na grama contando estrelas até a hora em que o sono viesse visitá-la. Mas eu poderia lhe acordar e contar histórias sobre estrelas cadentes, e quem sabe, nós teríamos a sorte de encontrar uma que escorregasse pelo céu e carregasse um dos nossos pedidos consigo.

Talvez você terá olhos claros caso puxe ao seu pai, e cabelos loiros compridos vindos da sua mãe. Será uma bonequinha, disso eu estou certa. Espero que carregue a humildade do seu pai e o jeito brincalhão e até mesmo meio lunático, e que venha com o encanto da sua mãe, o sorriso caloroso e um coração doce. Mas quem sabe você carregue um pouco de mim? Desajeitada, com olhos verdes, e com gosto por filosofia, história, literatura e cinema... Vou lhe confessar que ao contrário de mim, seu pai prefere as exatidões, porém quem sabe você venha completa, meio incerta ainda que previsível e complicada. Gosto de imaginá-la assim.

Meus planos para nós duas tornaram-se um fardo quando soube que a sua vinda corria perigo. Uma pedra enorme no caminho nos impede de construirmos castelos na areia da praia. Estive otimista e tentei afastar o medo para algum lugar onde ele não pudesse me atormentar, mas foi em vão. Atiraram na esperança pedras duras, mas ninguém é culpado. Eu deveria ter sido mais fiel ao que os médicos nos disseram, mas como lhe disse agora a pouco, eu não consigo ser exata ou previsível. Eu esperei que algo desconhecido viesse salvá-la e a deixasse partilhar de todos esses sonhos ao meu lado. Você ainda nem conhece os medos e as desventuras da vida, e este já exige que você seja forte como eu estou tentando ser.

Enquanto eu lia um livro sobre filosofia que tinha seu nome, sua mãe me chamou para conversar. Fiquei radiante quando soube que talvez seu nome seria Sofia, e prometi um dia contar-lhe esta historia sobre o livro de filosofia. Um dia irei embrulhar o livro com um papel colorido e dá-lo de presente para você. Espero que goste.

Ei, anjo, eu estou esperando por você. Então, por favor, seja forte onde quer que você esteja. Você tem uma irmãzinha de quatro anos que certamente ficara feliz em recebê-la. A vida já começou a puxá-la pelo braço, e mostrou suas garras. Entretanto, ela não é sempre assim tão assustadora. Existem contos e historias sobre princesas, há também a primavera e uma porção de sorrisos esperando por você. Por isso, anjo, eu estou lhe suplicando: Não desista. Lute mesmo sem saber contra o que. Nós faremos o possível e o impossível para trazer-lhe ao nosso mundo. E uma vez aqui, entre meus braços, prometo cuidar de você e eu jamais deixarei algo lhe machucar.

Com muito amor e gotas de esperança,
Daquela que mais anseia a sua chegada.


Talvez a gente ainda se encontre por aí. Em uma livraria pequena e aconchegante perdida entre vielas desta grande cidade. Talvez eu lhe pague um café bem quente e peça para mim um suco batido com gelo. Descobri que preciso dessas coisas bem misturadas. O silêncio com o grito, o quente com o gelado, a alegria entre tristezas. Caso você me pegue em uma noite de lua cheia posso até contar-lhe sobre como encontro equilíbrio nesses pontos extremos. Não sou muito de explicar, por isso talvez a conversa não renda muito. Mas entenda que perco o que sinto quando tento explicar como isso chegou dentro de mim. Prefiro mostrar-lhe, e fazê-lo sentir. Posso roubá-lo para meu apartamento, e tentar mostrá-lo tudo o que fora escondido em meu peito. Talvez assim tu poças entender o motivo das minhas lágrimas. Essa calmaria que balança meu vestido não é a mesma que compõe o meu ser. Vou lhe falar, quando quero sentimento, a calma eu peço apenas para os ventos. Reflete em minhas bochechas coradas, o que quero de você. Pois desejo que me tome em seus braços ao me ver passar na rua. Roube-me um beijo quando meus olhos saltarem de raiva. Quando encontrar-me por aí… Não espere que eu caminhe sobre minhas sapatilhas até a mesa onde você está sentado. Mas venha por trás e diga boa noite em um sussurro ao me ouvido, como se a noite fosse boa entre nossos corpos, um próximo ao outro. Talvez quando a gente se encontrar por aí eu já esteja inteira o suficiente para poder me despedir dos seus lábios sem sentir uma parte minha presa em tuas roupas. Mas… Caso a gente se encontre por aí, por favor, não me deixe ir.
Eu sei que você é forte, G. A gente pulou dentro da água fria de mãos dadas, mas você sempre parece não querer se molhar. Talvez eu entenda um pouco, mas você sabe, eu não sou assim tão esperta diante das tuas exatidões. Eu gostaria de lhe contar o meu sonho com uma estrela cadente, juro que eu poderia até lhe confessar o meu pedido. Mas por favor, G, não me olhe como quem encara uma lunática. Você também não é muito esperta quando se trata do meu sentimentalismo. A gente só se entende quando comemora o final surpreendente de um filme, ou o desfecho inacreditável de um livro. Mas, se me permite dizer, G, eu gosto dos nossos desentendimentos. Aí tu me completa aqui, e eu vou te completando aí. Eu te puxo um pouco pro meu mundo nas nuvens, e você me puxa pelos pés para sentar no chão. Você vai me confessando os seus medos, e por vezes deixa até escapar os seus pontos fracos, enquanto eu vou viajando entre as nossas palavras e tecendo uma história bonita. Tenho um grande apreço por tudo o que nós construímos, mas queria lhe pedir para que você pudesse manter suas armaduras no chão: É difícil entrar em contato com você enquanto você se esconde por detrás dessas máscaras e sorrisos falsos, entende? Eu queria mesmo lhe comprar uma rosa sem espinho para te mostrar que a vida não precisa ser assim tão dura. Você pode cair quando quiser, e prometo estar aqui pronta para lhe segurar pelas mãos. Só não chore calada no quarto, e não engula suas frustrações. Eu quero lhe apresentar uma cor mais intensa para colorir tua vida, eu quero poder atirar sua armadura para longe e lhe fazer cócegas até você se debruçar e cair no chão sem fôlego. Você também não precisa ser dona da verdade, ou ter sempre a palavra final. Acho admirável seu tom de liderança, G. Mas eu sei também quanto este lhe custa, e você não deveria pagar tão alto.

Eu queria que você soubesse, que a vida é feita uma estrada cheia de curvas. Em uma dessas curvas nos encontramos. O que é eterno não precisa durar uma vida, basta apenas alguns anos cavando um canto especial na alma do outro. O para sempre existe, G. Você é eterna na minha alma, e espero ser eterna na sua também.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011




Querido Ryan,

Passaram-se duas semanas desde que você selou meus lábios em um beijo de despedida e a sua ausência pesa como se você houvesse partido há anos. Cinco dias atrás recebi uma carta com teu nome, mas escrita por outras mãos. Depois desta carta sinto o peso da sua ausência como uma eternidade. Eles roubaram você de mim, e eu ainda não consigo compreender boa parte desta desventura. Esse amor patriota impregnado em seus fardamentos não era seu, mas eles o fizeram acreditar que era. Mas que pátria é esta que nos rouba os amores mais verdadeiros, e nos deixam amputados: Sem parte do coração e da vida. Sem você, Ryan.

Como você sabe a nossa Rosie fez sete anos na semana passada. Este foi o primeiro dos próximos cem aniversários que ela fará sem tê-lo por perto. Não senti vontade de comemorar o aniversário da nossa filha, e me sinto horrível por isso. Conseguir lidar com balões coloridos e alegres na sua ausência foi algo extremamente difícil. A Rosie acabou de perder seu primeiro dentinho de leite, e ficou feliz em puxá-lo. Nossa garotinha é muito corajosa, certamente puxou ao pai. Ela estava ansiosa para lhe mostrar a janelinha em um sorriso. Passar para ela a notícia que vinha na carta do exército foi algo tão difícil quanto ler a mesma. Senti que as minhas palavras pouco a pouco roubavam da Rosie a parte mais bonita do seu mundo; a presença do seu pai. Nós choramos muito. Ainda assim ela foi mais adulta do que a própria mãe, e entendeu que você estaria olhando para nós lá do céu, e que não deveríamos chorar tanto, pois você ficaria triste. Estou orgulhosa da nossa filha. Mas ontem eu a encontrei dentro do seu guarda-roupa, enlaçada com suas vestes e segurando seu gorro com as pequenas mãos trêmulas. Aquilo me partiu o coração. Quando eu lhe perguntei por que ela estava ali dentro, ela me disse: “Estou escondida, mamãe. Não quero que o papai me veja chorando, porque ele pode ficar triste. Mas eu estava com vontade de chorar porque estou com saudades, então resolvi chorar escondida.” Não consegui lhe responder com uma única palavra, apenas me sentei junto a ela, e choramos juntas.

Além de sentir a tristeza, estou tomada por uma raiva estranha, Ryan. Fico pensando que talvez você ainda pudesse estar aqui. Nós deveríamos ter nos mudado quando você cogitou. Este país, esta prática… Esta na qual eu plantei a nossa vida, e reguei com cuidado por anos a fio, e que em certo momento nos ofereceu segurança, me traiu. Na carta que me enviaram tentaram dizer que apesar da perda, a sua missão foi algo grandioso no meio da guerra. Mas, Ryan, eu sentei na cama como de costume, esperando você sair do banho… Mas você não saiu. Você me beijou na porta da nossa casa, e abraçou a nossa filha. Estávamos nos despedindo e nem sabíamos. A esperança de vê-lo voltar para casa era o que estava me mantendo de pé. Agora eu peço que alguém venha e me explique o que há de tão grandioso nesta guerra que engole nossas famílias sem pedir licença. Não é amor pela pátria, meu querido. Desculpe-me por pensar desta forma, mas o que rege uma guerra são o ódio e a ilusão. (…) Eu gostaria de tê-lo em casa para me dizer que estou falando bobagens, mesmo quando eu tenho certeza de que não estou.

Mamãe veio me visitar quando soube da sua partida. Eu estava desolada, então ela pediu para que lhe escrevesse esta carta. Segundo ela, esta é uma maneira de aliviar o peso que estou sentindo. Ainda não sei se está funcionando. Não se irrite por causa das letras borradas, são as minhas lágrimas. Estou tentando cicatrizar a ferida que estava sangrando, e ainda dói. Tenho que ser forte pela nossa filha, e por você também. Você sempre exigiu de mim uma força que eu não sabia que existia… Ela existe, e obrigada por tê-la instigado. Eu aprendi mil coisas com você, meu querido. Perguntaram-me sobre a dor que sinto, e eu não soube explicar. Sei que se me pedissem para escolher entre tê-lo conhecido e sentir a dor ou jamais tê-lo visto para estar isenta de qualquer vestígio de machucado, terei a certeza de que fiz a escolha certa quando puxei conversa com você na aula de ciências. Você e a Rosie foram as melhores coisas que já aconteceram em minha vida. Obrigada, meu único e grande amor. Você foi tão bondoso que ainda deixou uma parte de si aqui ao meu lado para me trazer força. Por ela eu vivo, e por ela eu luto. Por ti guardo o meu amor, e agora no fim desta carta sinto que mamãe estava certa. Vou mantê-lo vivo em minha memória e em meu coração. Haverá uma gaveta só para você, meu anjo vestido de herói.

Agora tenho apenas a saudade, a Rosie, e as nossas lembranças.

Te amarei eternamente, Ryan.

Com amor,

Tereza.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011



E talvez, eu só precise disso aqui. Um sonho bonito que movimenta minhas pernas rumo ao futuro, e uma chuva que rega sorrisos e torna meu presente um lugar agradável. É assim que conheço a vida, e é assim que quero continuar a falar sobre a mesma: Com calma. Tecendo comentários doces sobre um banco amarelo que havia no corredor, sobre o qual eu deitei na companhia de uma pessoa especial. E me sinto livre, contente… Quando me puxam belo braço e me transportam para uma valsa meio desajeitada, onde a música fica por conta de batuques e vozes desafinadas. Assim, eu me ponho descabelada. Com o cabelo preso em um rabo de cavalo, e completamente molhada. Chamaram-me para ficar sequinha, debaixo de um guarda-chuva. Mas olhe, eu adoro esses pingos que são raros por onde moro. Não quero saber de resfriados, vou me deixar molhar. Assim como me deixo viver. Sonhar. A gente pula, canta, brinca e sorri. E vai juntando histórias, contando derrotas e comemorando as vitórias. Porque tudo isso… Nossa, isso tudo vai tão além. Cruzo os dedos e suplico para me deparar com uma porta de maçaneta dourada e brilhante que me leve para outra dimensão, e me prove que eu sempre estive certa: A vida vai muito além. Como em uma aula de português em que sorrimos e fizemos os olhos brilhar falando sobre filosofia. Contando sobre nossas convicções e nossas incertezas. Deixe-me falar até mesmo sobre a cafeteria daquela livraria que tanto adoro. São os livros, as pessoas, as histórias. Tudo tem um brilhinho especial. Por isso gosto de olhar essa chuva, e deixá-la me molhar. Não há outro jeito, não há uma escapatória. A gente pode até encontrar válvulas de escape que levem embora aquilo que sufoca, mas nunca uma saída definitiva. Oras, olhem bem, por que sair? Por que fugir? Fica, se molha. Sorri e chora. Essa é a graça, esse é o equilíbrio. Há tanto ainda para contar e até mesmo conhecer. E mesmo ainda sabendo tão pouco sobre o universo e suas voltas perturbadoras, de algo estou convicta: A vida é uma aventura sedutora demais para querer passar por ela completamente ileso.