quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sobre quem veio e permanece sem nome

     Creio não ter tocado antes nessas imagens por covardia. Enxergo nas palavras uma projeção intensificada dos sentimentos, portanto escrever expressaria a confissão do que há escondido, algo que foi sufocado, não pelo medo, mas pelas circunstâncias. Como uma espécie de sementinha que germinou naturalmente, mas no meio do caminho deparou-se com um solo abandonado e uma vez sem ser cultivada a semente teve seu crescimento interrompido... Restou-me uma plantinha sem nome, cheiro ou cor. Não sei se é alecrim ou erva-daninha.
     É desconfortável ter de aprender com esse sentimento que apesar de não ter nome, tem saudade. Adormece por um grande intervalo de tempo, finge-se de morto. Entretanto, depois ressurge na tristeza, na insônia e nas memórias cavadas. Após algum tempo forma-se o tipo de confusão que lhe venda os olhos e prende as pernas. Não há nada de errado com o que passou, mas há uma certa agonia presa no peito por não saber o que se sente no final das contas. Isso parece coisa de quem tem medo de assumir que guarda carinho, e eu sempre me julguei corajosa o bastante para não negar o que se passa. Mas o que aconteceu foi diferente, ao menos pra mim. Num misto de encanto em que meu maior defeito foi calar para admirar e guardar sem reconhecer. Minha preocupação não era nomear o que se passava, nem parar pra entender. Estava tudo bem enquanto eu me envolvia, e depois da primeira pausa eu posso lhe jurar que não imaginei que estaria tão bem. Naquele primeiro momento eu havia reconhecido que existe algo de muito bonito nas plantas que a gente cultiva sem nem ao menos saber, num solo que nunca havíamos tocado antes, mas que foi fértil o suficiente para dar conta de todo florescimento. E neste caso, seria burrice ou até mesmo falta de gratidão me lamentar pelo jardim que adormecia no inverno. O que eu contava era a primavera e o cheiro doce que ela havia deixado nas minhas roupas e lençóis. Eis então que, mesmo no inverno, uma plantinha consegue levantar-se. De encanto durou apenas uma noite, e eu, mais uma vez, encantada e surpresa demais para formular qualquer tipo de questionamento sobre tamanha incoerência, calei-me. Durou apenas uma noite o silêncio e a quietude da mente, bastou o sol despertar para que o medo e a insegurança tomassem conta do lugar... A partir dessa manhã confusa, eu me tornei a dúvida, o que eu não sabia, o que eu não deveria tocar. Maldito inverno que fez questão de acordar. Eu sei que por muito tempo tentei me enganar com a pretensão de que posso fazer o tipo inalcançável... Bobagem. Não é um fardo guardar e enxergar a vida como um momento especial. A naturalidade dá aos momentos um sabor diferente e o carinho brotou da minha falta de pretensões sobre o que poderia surgir do amanhã. Eu só queria regar um pouco mais, cuidar até não poder mais, e depois dizer adeus olhando nos olhos e tendo a consciência de que eu havia depositado meu carinho num conto que valia a pena ser lido e relido.

     Eu vou finalizando esse texto como quem tem pressa de calar a mente para ser capaz de continuar seguindo em frente. As estações vão passando, pula-se outono, pula-se inverno, e eu vou aprendendo a reencontrar a primavera do meu jeito, pra poder lembrar sem essa saudade que só faz confundir o que há por vir no depois... Essa é uma daquelas histórias que perduram sem nome, sentimento que só tem rosto e cheiro.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Na estação em que o chão é pintado de amarelo

     Confesso que ainda é uma questão de não saber, ou talvez, não reconhecer. Se ainda tento manter algum tipo de fé e esperança é porque sobrevivi ao vazio, com a respiração fraca, as pernas bambas e olhos marcados por um tipo maldito de insônia. Dentre tantas variantes sobre que tipo de pessoa eu poderia ser, me encontrei sendo (e percebendo que sempre fui) o tipo mais leviano e vulnerável: gente que só abre a porta quando o coração manda, que ignora qualquer tipo de racionalidade ou estabilidade - mesmo quando a insegurança lhe rouba noites inteiras.
     Eu não percebi e chorei noites por não saber enxergar. Sempre tive convicção que no fundo a ignorância era algum tipo secreto de sabedoria... E permitir que a vida lhe tirasse, aos poucos, a venda dos olhos, seria um ato nobre de coragem. Estou falando sobre essa espécie de gente bonita que abre os braços em frente ao mar e que ignora os cochichos alheios para seguir o caminho que o coração ordenar. São estes, que até mesmo no silêncio, fazem história. E decoram suas casas com tudo o que o vento é capaz de empurrar pela janela, com a luz do sol que invade, e até mesmo com as folhas que fogem no caos das tempestades. É uma questão de reconhecer que a vida em si é um ato passageiro e grandes são aqueles que reconhecem a verdadeira morada: o universo inteiro, dentro da própria alma.
     É tempo de enfeitar o asfalto com a graça da primavera, as caraibeiras deixam cair suas flores amarelas e iluminam toda a estrada. Estou de volta ao ponto inicial, o zero. Após cinco ano, de volta à cidade onde tudo começou... Onde sonhei os primeiros sonhos e contei as primeiras estrelas. O interior não é abençoado apenas pelas caraibeiras, mas o céu em si já é o encontro com algum tipo desconhecido de paraíso. Não existem arranha-céus para disputar o brilho com as estrelas, e na cidade pacata tudo parece brilhar um pouco mais forte. Em toda a extensão do céu, eu assumo a responsabilidade desse novo recomeço.

    "Dê-lhes grandeza e um pouco de coragem"



quarta-feira, 14 de novembro de 2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Era uma vez uma menina chamada Maria, morava lá no interior e era doidinha. De dia, brincava de boneca, se imaginava casando com João, garoto da casa ao lado por quem era apaixonada, mas quando chegava de noite, Maria sonhava... "Quero isso não, eu quero mesmo é ser artista! Passar na tevê!" Só que aí amanhecia e Maria acordava... "Que sonho estranho é esse que eu tive? Num to de casamento marcado, sábado a tarde, com João?" E o então sonhado sábado chegou com Maria feliz acordando com sua sorte! Parabéns Maria! Mas justo na hora certinha que o padre perguntou: "Maria, aceita viver pra sempre com João?" A lua apareceu no norte antes que o sol se escondesse no sul, ficou noite, ficou dia e antes que a metade sol de Maria dissesse sim, a metade noite disse, "Aceito não"
Vai pro mundo Maria, vai ser artista...

História bonita de ser contada.
Trecho do seriado Clandestinos

sábado, 3 de novembro de 2012


     Na verdade, há um furacão na cabeça que reflete nos seus olhos pesados pela manhã. Não há mais tantas convicções sobre o horizonte, a vida por um instante se resumiu ao que há de verdadeiro, a parte intrínseca: o que há por dentro, que sofre metamorfoses, mas que continua seu, invariavelmente s-e-u. Essa parte que não se desfaz e que também não se alcança nos termos convencionais. Eu vejo gente que esqueceu de conceder ao sonho a glória da magia, e o que lhes tornavam grandes é só uma desculpa para vendar os olhos contra tudo aquilo que ouse lhe expulsar de uma vida calma e aceitável. O abismo é o paraíso daqueles que sabem voar, mas os saltos são regalias concedidas apenas aos que possuem coragem, porque asas todo mundo tem, o que falta é a fé e a sabedoria de aceitar a própria ignorância - o "não saber" sobre as estradas que lhes conduzem, Os mapas podem ser concedidos, as instruções podem ser ensinadas e por um momento até os clichês nos fundos dos caminhões farão sentido. Mas basta um vendaval, uma tempestade para tudo ir embora. É o preço que se paga por um equilíbrio fajuto, coisa de quem tem pressa até para ter calma. 

     Como se houvesse um livro cheio de palavras bonitas e poéticas que lhe dissesse que a vida não é assim, tão pesada. Para quem lê é fácil respirar entre os versos e esquecer do fardo que ainda pesa sobre as costas. A busca por respostas é o último grito, e o que ninguém reconhece é que há um tipo de retorno sobre os questionamentos, que apesar de ainda não ser tão concreto quanto uma resposta exata, é infinitamente libertador: os ventos. Que sopram em direções diferentes, mas sempre lhe bagunçando os cabelos numa forma de dizer que o segredo está dentro de si. Como a energia do mar, que em sua imensidão, termina humildemente nas praias para beijar os pés daqueles que estão dispostos a sentir. S-e-n-t-i-. Cada partícula do corpo e surpreender-se com a imensidão de sensação que existe dentro do seu próprio universo. E tudo passará a existir dentro de si, das necessidades vitais há apenas a busca por algo que abasteça a alma e nada mais. O ponto da partida é a entrega seja lá ao que for... Entrega ao que lhe desperta faíscas e te sustenta na ponta dos pés com os braços erguidos. São os passos de quem quer o céu para alcançar as estrelas. Entretanto, para ser capaz de se sustentar na ponta dos pés é necessário o equilíbrio para não despencar para um dos lados. O equilíbrio é força que rege os corajosos que abrem as asas para os abismos. Por isto eles estão a salvo... Em um tipo de contradição que nunca fez tanto sentido: Jogar-se, abrir-se, quebrar-se e continuar inteiro. Sempre haverá um preço, um outro lado, uma noite fria com rostos avermelhados e vestígios de lágrimas, assim como também sempre haverá o amanhecer. Nenhuma escuridão jamais será grande o suficiente para impedir o nascer do sol, não no meu litoral. Por isso a gente se cura, e respira, e segue na única direção possível: Em frente. Com as asas ainda inteiras e com outros abismos para poder atirar-se.

      Na bagagem a sabedoria das experiências, e no corpo a fidelidade sobre quem é. Assumir-se e surpreender-se com o que há por dentro. 

     Pularemos mais duas ondas, viveremos cem anos em um único dia. Para alcançarmos algum tipo de grandeza que é o nosso verdadeiro sonho. Abrir os braços em frente ao mar e escrever segredos na areia, s-e-n-t-i-r. A pele arrepiar, os pés na areia, a carícia quando a onda quebra-se diante de nós. Desapegar-se do que é concreto e palpável, decorar a casa com a luz do sol que invade pela janela. Libertar-se de si mesmo, se simplesmente i-r. Sem questionar a direção, guiando-se através dos sentidos. Com os olhos marejados, um punhado de saudades das vozes que se calaram, mas como brinde final: O encanto de um novo nascer do sol.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Desaba(ndo)fando

- Isso. Respira fundo. Vai soltando o ar devagarzinho, e lembre-se de não abrir os olhos. Comece a sentir seu corpo, é algo maior não é mesmo? O universo cabe inteiro em você. Continue respirando com leveza, preste atenção. O seu corpo está se mexendo para receber essas doses de vida. Não precisa se envergonhar, pode chorar um pouco se quiser... Deixa essa lágrima escorregar pelo seu rosto e não ouse limpá-la com a mão. Sinta. Apenas sinta. Nós somos mais bonitos quando estamos assim, serenos, sabia? Busque a sua tranquilidade na respiração. Há um oceano de esperança e boa fé, basta você mergulhar.

(...) Ouvi dizer que existem dois tipos de pessoas no mundo, aquelas que saberão levar a vida com mais tranquilidade, e aquelas que terão doses de uma vida mais dolorosa, pesada. Acho que faço parte da cadeia do segundo tipo e é um fardo chegar a este reconhecimento. Esse o momento em que tudo parece eterno demais, imperdoável demais, condenável demais, fútil demais. E o futuro é só um rastro que confunde meus olhos, oscila entre coisas claras e um único borrão. Eu quis ser dona de decisões grandes, quis deixar a vida nas mãos do vento, mas toda essa história bonita é pura covardia, coisa de quem teme não ser o suficiente. Agora eu ouço sussurros e conversas meia-boca, histórias de gente que tem a vida na palma da mão como uma espécie de mapa para entrar em um país estranho. Ouço também aplausos e gritos de guerra daqueles que possuem sonhos e um lugar pra chegar. Eu me estabeleço na margem, na plateia. Sou quem aplaude e sente um punhado de excitação para explodir junto com todos os verdadeiros heróis... A excitação acaba, a tristeza aumenta. Como Humberto Gessinger cantarolou por aí "Eu vejo um horizonte trêmulo, eu tenho os olhos úmidos..." E as minhas certezas são tão miseráveis ao ponto de sumirem com um único sopro. Covardia é não ser capaz de sustentar aquilo que se acredita. Dane-se tamanho medo. Foda-se todo esse meu blablabla de quem não sabe o que fazer. No fundo prevalece sempre a ideia de que ter certeza é tão inútil quanto não ser capaz de sair do lugar. Não entrar no avião, não pular do trem ou viajar sem abrir as janelas do carro. Toda essa história é só parte do caos de um fim de tarde que parece durar uma vida inteira. Mas é também a agonia e ao mesmo tempo o alívio de ver uma fase chegando ao fim.


domingo, 28 de outubro de 2012

— Ao final, passei a acreditar em algo que eu chamo de "A Física da Procura". Uma força da natureza com leis tão reais quanto a lei da gravidade. As regras da Física da Procura seriam assim; se você tiver coragem de deixar tudo que é familiar e conhecido, desde a sua casa até antigos ressentimentos para partir numa jornada em busca da verdade interna ou externa, e se dispuser a encarar tudo o que lhe acontece como uma pista, e aceitar todos os que cruzam seu caminho como um mestre, e se estiver preparado, acima de tudo para aceitar e perdoar realidade duras sobre si mesmo, então a verdade não lhe será negada. 

Elizabeth Gilbert

sábado, 6 de outubro de 2012

"Quem tem asas vive em perigo por querer um céu para voar"
"Toque o último compasso bem suave." - (suas últimas palavras)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

(...)

 Desliga a TV minha filha. O mundo está doente  Vó fala enquanto se apoia no braço da cadeira para levantar seu corpo cansado dos dias de sol quente, e o coração endurecido, mas não menos afetuoso, por todo o mundo que desaba do outro lado de suas terras.

     Obedeço calada e enquanto me levanto tenho nos olhos a imagem do rosto desgastado pelo sol de uma senhorinha miúda, com os cabelos brancos presos em um rabo de cavalo. Ela sempre nos recebe na varanda da casa grande, e sorri um sorriso leve enquanto eu fecho as porteiras e minha mãe estaciona o carro debaixo do pé de tamarindo. Eu lhe peço a bênção e no meu abraço de saudade vó parece tão miúda que fica escapulindo entre meus braços. "Como a senhora está?" "Eu estou indo, minha filha. Eu to indo" e abaixa a cabeça arrastando os pés até a cozinha, prepara café e me oferece biscoitos. Por detrás da casa vou seguindo o caminho de ouro que fazia quando ainda era uma criança. Chego do outro lado da fazenda e me deparo com a falta de sombra feita pelas quatro grandes árvores que eram dispostas na terra formando um quadrado, e naquele pequeno espaço que me presenteava com a sombra mais saborosa do sertão, eu brincava com panelinhas de barro, subia na goiabeira e pegava as raras goiabas que ainda não haviam sido mordiscadas pelos passarinhos. A saudade da segurança daquelas árvores me atravessou como um pedido para ser capaz de voltar ao tempo em que eu tinha todas aquelas terras para brincar e me perder. Junto com todos os bichos, e todos os esconderijos que criei na companhia dos meus primos menores. Éramos crianças de pés no chão, e de imaginação que corria solta. O dia só terminava quando não houvesse mais nenhum rastro sem sujeira no nosso corpo. E para acompanhar as histórias, vinham os arranhões, as pernas chicoteadas pelo mato onde corríamos soltos. Fomos as crianças mais felizes que aquele sertão já viu. Até nos dias de chuva sabíamos como criar uma boa história. Entre o curral e a casa grande, levantávamos muros de lama e formávamos dois reinos prontos para guerrear. Não havia lama o suficiente para tantas gargalhadas... Enquanto os mais velhos tricotavam na varanda, seguros da chuva. E vô se dispunha a gritar "Saiam daí, meninos, vocês ficarão doentes, chega de tanta bagunça!" mas nós ignorávamos com a inocência de que os gigantes só pretendiam acabar com nossas horas de libertinagem. Vô estava distante demais para nos apanhar pelo braço, e enquanto houvesse chuva e terra molhada haveria moleques sujos construindo saudade para quem um dia ousou abandonar toda aquela imensidão.

     Entro de volta na cozinha e vó desaba a falar sobre os dias, mas não precisava de muitas palavras, seus olhinhos fundos e os pés cinzentos já falavam por si. "É a seca, minha filha, que vem pra castigar a terra". E nos fins de tarde, quando a fazenda abria os braços para os ventos e sentávamos todos no chão da varanda, vó se dirigia até a velha capelinha pintada por uma amarelo distante que já perdeu o encanto de ser cor. Rezava pedindo não sei o que, mas estou certa que entre seus desejos, ela tinha a chuva, e o pedido de luz pro coração dos poucos filhos que se perderam, e todos os outros seres que não possuem rosto, mas que sofrem. Vó, apesar de miúda, tem o coração do tamanho do mundo. Ela abandonou a casa na cidade e fez seu mundo entre os horizontes da fazenda. A família e suas plantações lhe bastam. Não sente vontade de atravessar a porteira por saber que o mundo daquele lado não é como o de antigamente, e a paz se tornou tão escassa quanto a chuva.

     Entretanto, mesmo com a seca vó sorri com vontade e há um brilho em seus olhos que nem o tempo foi capaz de arrancar. Essa senhora sobre que lhes falo é dona da simplicidade. Ela enfeita a casa no natal e aguarda os filhos que se dispersaram por todo o nordeste, e assim vó é feliz. Colhe a felicidade e me presenteia todas as vezes em que eu abro a porteira, me ensina sobre seu mundo, e lá vai ela levar um pouco d'água para suas plantinhas. Cuida da vida com um capricho apaixonante. Vó me enche os olhos de orgulho e fé, com seu poço inacabável de esperança. Eu penso sobre como é capaz de existir tamanha força e fé num ser tão miúdo... Eu penso na minha gente e na minha terra, pra lembrar de onde vim e para onde voltarei quando estiver com os ombros cansados.

 "E esse mundo todo, como é minha fia? Tu foi pra tão longe! Não teve medo não?" "Mas medo de quê, vó? Dá é gosto de entrar nos aviões e depois colocar os pés em outras terras tão diferentes das nossas." "É coisa muito bonita de se ver, minha filha, mas tome cuidado e volte sempre inteira" "Voltarei, vó. Bença?" "Deus te abençoe, minha filha."



domingo, 30 de setembro de 2012

Depois da tempestade, a beleza

Amanhecer

     

     Quando ninguém suspeitava a chuva caiu para lavar o estardalhaço que é feito pelas coisas não-ditas-e-mal-compreendidas. Algum tipo de salvação que despreza a agonia das noites, mas ressalta a paz de abrir a janela e estender os braços. É como encontrar um ponto de luz miserável em meio ao caos das avenidas que matam qualquer esperança de se encontrar flores nas margens, pela cidade. É essa a resposta da chuva, e o que ela reflete nas poças d'água onde boiam pequenas folhas delicadas, nas gotas que acariciam as pétalas das flores, que em sua indescritível beleza, também choram por serem pisadas por aqueles que dizem amá-las - humanos são criaturas egoístas até no amor. Entretanto, ressaltarei o que vem depois da tempestade, depois dos quartos fechados e escuros, depois da boca muda e seca: Vem a paz. Esta que andei procurando para poder abrir as cortinas e respirar um pouco mais aliviada. Não houve arco-íris, nem abraços quentes... Mas houve a construção que só se ergue em um único sentido, de dentro pra fora. O fato que torna inválido qualquer tentativa de arrancar a coragem de uma palavra confortável. Crescer não é confortável. Por isso uma briga, um grito, um choro prendido, o coração trincado, o pedido de desculpas que não veio, a solidão. Para somente depois ser digno de desfrutar de um tipo muito peculiar de tranquilidade... Mas isso é coisa de quem beija o chão antes de entrar nos palcos, gente que tem coragem de se doer e se doar. Gente que tem alergia a corpos não-tocados e não-machucados. Porque o intocável não é vida, é apenas uma morte que não foi anunciada. Não há alma, não há dor, assim como não haverá o depois. 

     Eu sempre dei um valor muito grande para as coisas que saltam de dentro e invadem o mundo, seja em forma de lágrima, riso ou movimento. É como uma espécie de colheita; Colher o que brota no corpo pelo que foi plantado na alma. E eu vou colhendo a minha própria agonia ou leveza em forma de palavras, neologismos ou poemas (que nunca sou capaz de finalizar por pura covardia). Eu me ocorro na escrita  e quem sabe, na dança. Como outros que aconteceram nas pinturas, nas interpretações, nas canções, ou até mesmo nos sorrisos. Às vezes chego a conclusão de que essa sensibilidade exacerbada é parte do preço que se paga para poder enxergar determinados detalhes e por isso não resisto aos meus olhos marejados  eu deixo chover dentro de mim. Durante uma semana, antes de dormir, eu abri a janela para caçar as estrelas, mas sempre havia nuvens demais e brilho de menos. Por vezes, até mesmo a lua se escondia... E junto com a bênção eu pedia por dias que amanhecessem em mim. Mas eu não amanhecia. Sem esperança alguma e cheia de notícias desagradáveis que atiçam a falta de fé, aconteceu o sábado. E finalmente eu chorei pelos dias de lágrimas miúdas e covardes. Chorei com a coragem de quem assume a responsabilidade de depois ser capaz de reaprender a sorri e fazer com que sorriam junto. 

     Hoje, eu amanheci  — com o sorriso de quem prometeu ter força para não fugir do canto das procelárias.

domingo, 23 de setembro de 2012

— (...) É esse amor adiado, esse amor que fica pra sempre. Essa ideia de amor que existe como algo que pode ser aproveitado mais tarde, digamos que não se desperdiça. E passa o tempo, passam-se milênios e aquele amor vai ficar até debaixo d'água... E ele vai ser usado por outras pessoas. É amor que não foi utilizado por não ser correspondido, então ele fica ímpar pairando ali, esperando que alguém o apanhe e complete sua função de amor.

Chico Buarque sobre a canção Futuros Amantes


"Não se afobe não que nada é pra já, o amor não tem pressa, ele pode esperar."


domingo, 9 de setembro de 2012

Quando os infinitos se refletem


Nota:


As minhas estradas sempre foram as fugas, a pressa para alcançar o outro lado que inspirava algum tipo de segurança fictícia, porém muito convincente. Estar longe parecia ser o suficiente para não doer e não ter medo. Entretanto, os quartos ainda presenciavam a insônia e as janelas ainda sustentavam os mesmos braços debruçados, as mesmas inquietações. E num espaço de tempo entre três dias de barulho do mar, pescadores, pegadas na areia e conchas, eu encontrei a resposta. Nem longe, nem perto. D-e-n-t-r-o. Compreendi o que o mar quis dizer quando refletiu nas ondas que se quebravam, a infinidade dos céus: Onde a sensibilidade começa, mas não termina. Por ser intrínseco, e infindável. Sem conceder relevância ao solo em que piso, ou ao horizonte que alcanço, sempre vai doer um pouco mais. Sempre haverá uma lágrima prestes a saltar dos olhos e como recompensa, o mar. As ondas e aquela pequena parcela do mundo que se revela nos sentidos, e nos olhos de quem é capaz de enxergar.



Procelária


É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala

As suas asas empresta à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente

Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento

Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo


Sophia de Mello Breyner

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Coração Beija-Flor

   
     Como breves mensageiros, eles me avisaram que tudo ficaria bem. "O mau tempo logo passará, os girassóis também sentem falta do calor, assim como você" E antes da calma eu me apego ao equívoco que existe em tempos anunciados: a gente desaprende a esperar e a saborear o amargo das chuvas. Costumo guardar esse tipo de ansiedade presa ao coração, o que faz de mim um pouco mais instável do que eu deveria ser. O coração explode e os abraços são a entrega de como estou prestes a me arrebentar contra o chão. Corações velozes conservam pernas fracas. As madrugadas são o ápice do consumo, do que nos devora. A insônia é a cúmplice da morte que leva embora cada gota de esperança... E os ansiosos viverão no breve espaço entre a miragem de tudo aquilo que poderia ter existido, e a realidade com tudo aquilo que não foi pelo medo de se doer. E se doar.

     Entretanto, eu não deveria ter começado de maneira tão triste e cruel. Afinal de contas, quem assume o medo, assume quase sem querer, a coragem. É o que reside nos olhos pesados que são abertos pela manhã, e corpos pequenos que sustentam corações aparentemente derrotados por mil vidas atrás. Existem alguns momentos do que entendo por lucidez, quando a sensação de estar perdido entre tantos cheios de estradas coerentes, faz um pouco de sentido - e mesmo assim o medo, ainda acompanha. São fatos que revelam a razão de um coração sempre tão acelerado e faminto, sempre ansioso pela surpresa que vem junto com o dia que amanhece. Sempre em busca do sol que o beija-flor lhe prometeu. Por isso ser tão estupidamente leviano e atrapalhado... Transforma os olhos em lunetas que buscam o brilho das estrelas em traços de flores, discos, chaves, aviões, lantejoulas e fotografias envelhecidas.

    É isso o que conta a história que ainda não terminou. Um segredo: Na verdade, ela anda se esgueirando pelos cantos, pedindo pra sair nos dias de chuva só pra enxergar o arco-íris. Se há coragem, eu não sei. Mas por existir medo e um alguém que quer atravessar as portas - e até mesmo, as janelas - me sinto segura em dizer que existirá um ato heroico. O momento em que os traços estranhos que se refletem no espelho sejam só mais um anúncio, não dos tempos que virão, mas de quem será capaz de desbravá-los. Com um coração de beija-flor e sempre a sensação de ser dona de mil vidas e vinte segredos.


   





segunda-feira, 13 de agosto de 2012

"Esquece sua cabeça e dança Isla!"

Eu acabei de chegar da aula de jazz e ainda sinto cada parte do meu corpo dolorida. Nunca senti uma dorzinha tão agradável como essa. Um dos lados mais bonitos da dança é quando você descobre seu próprio corpo e embalada a melodias deliciosas começa a descobrir os movimentos. Saltitar. Girar. Rodopiar. Subir na ponta dos pés e erguer os braços como se fosse capaz de alcançar os céus com a leveza da alma. E quando a gente cai, machuca os dedos e as pernas, basta respirar fundo e tentar outra vez. Mas sem parar! Porque o chão também faz parte. A queda é parte do preço que pagamos para sermos capazes de subir nos palcos e encantar olhos desconhecidos e curiosos.

Faz muito tempo desde a última vez em que parei para escrever. Não é por falta do que dizer, mas por não saber como encaixar as palavras até alcançar um terço do que vem preso. Hoje eu acredito que seja hora de dançar um pouco pra poder deixar as melodias me causarem alguns estragos, e depois, ser capaz de escrever sobre o que a gente encontra quando vai ao chão. Mais que isso, eu preciso de um tempo meu. Eu quero também ser capaz de alcançar um ponto alto pra quem tem essa coisa de escrever (digo "coisa" por não encontrar um termo melhor) que é poder falar sobre a felicidade sem que ela escape. Felicidade é um bicho danado e leviano, fugaz.

Vou arrumar o quarto, os livros, os cadernos e voltar a pintar. Vou arrumar tempo, dançar, estudar e (cheia de pretensões) tentarei passar no vestibular. Pra no ano que vem ser um pouco mais livre (ou presa, vai saber né) e poder dar continuidade a alguns projetos e quem sabe aulas de teatro além do jazz. Por isso publicarei menos, vou escrever um pouco mais pra mim. Confesso que já faz muito tempo desde que escrevi com caneta e folha branca. Botões e teclados nem sempre são tão confortáveis. Quando houver oportunidade (e vontade) publicarei!

Pra quem ainda entra aqui eu deixo meu carinho e um pedido de desculpas pela ausência. Cuidem-se direitinho. E dancem, sempre que puderem. Vez ou outra é normal perder o ritmo, o que não vale é permanecer parado... Um beijo!

Com amor,
Isla Cezzani.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sobre malas prontas e Fernando Pessoa


Quantas despedidas serão necessárias para nos sentirmos livres? Quantas cartas sobre o passado precisarão ser escritas para sermos dignos de asas? Não cheguei a pensar que um dia a altura poderia provocar sopros frios em meu estômago. Estou certa de que não há como se perder de uma vida inteira, há somente uma maneira não tão viável de abandonar a si mesmo. Os detalhes sempre estarão dispostos a nos entregar, como a caixa verde que nunca permite ao meu esquecimento ir longe demais. Sempre há um resquício que nos puxa de volta para a realidade que tanto desprezo. Já faz muito tempo desde a última vez em que me enxerguei presa ao pudor, ao medo, ao descaso. Presa a tudo aquilo que remete insegurança: O instável, volátil.

Fechei a mala com três pedidos, dois sonhos e um caderno. É possível ouvir os meus passos por toda a casa, desfilando ansiedades. Porque um único horizonte jamais será o suficiente. Eu tenho interesse pelas histórias que precisam ser contadas, mesmo quando nunca aconteceram. Eu preciso voar um pouco mais alto, para nutrir a ilusão de encontrar a mim mesma em um lugar distante. A liberdade continuará sendo uma mentira muito bem articulada, mas o mundo jamais será grande o suficiente para não caber em um álbum de fotografias.

Então eu me desmanchei na intenção de ser redescoberta. Talvez assim tudo o que eu confesso em segredo por aqui seja rico o suficiente para me conceder uma lista de heterônimos e uma porção de pares de óculos diferentes. Assim como fez Fernando Pessoa. Ou melhor, Álvares de Campos. Ricardo Reis. Alberto Caeiro. E uma porção de tantos outros que Pessoa concedeu a mão para redigir suas poesias.

“De eterno e belo, há apenas o sonho.”

Por quatro semanas serei grande o suficiente para alcançar as nuvens e não olhar para trás. E para que caiba entre a bagunça da minha mala e o meu sonho, uma porção de histórias que, apesar de não serem minhas, sejam contadas com a ajuda das minhas mãos. Sem prender os cabelos ou as pernas. Com a franja na altura das sobrancelhas para deixar o verde brilhar um pouco mais forte. Com toda a sensibilidade que sou capaz de suportar.

E com tudo aquilo que o mundo foi feito para oferecer. 

Sobre o reflexo (medo) no espelho


 Me explica, bebê.

 É como estar se desprendendo. E isso implica em arrancar, como se fosse uma camada velha da sua pele. Caem centenas de células o tempo inteiro, e cada uma carrega uma parte de mim. Uma parte que vira um passado cheio de inocência e de arrependimentos também. Mas é um passado bonito, não deixa de ser. E aí eu me deparo com uma pessoa totalmente diferente no espelho, isso me assusta e ao mesmo tempo me acalma. Como se fosse uma mulher que tomasse o lugar e as rédeas. Uma pessoa mais corajosa.

 Como no sonho dos cavalos e do espelho! Fatalmente nos tornaremos aquela mulher que não chora por nada, mas dentro, aquela lágrima... Que carrega o peso de todas as outras, todas as fotografias que você viu sendo mastigadas. Não sei se isso é bom. Lembra do Robert?

 Lembro sim.

 Ele ia experimentando tudo, mesmo o que fazia mal, e a cada vez que ele experimentava, ele queria "subir de nível", e se maltratar mais ainda, mais ainda... Pra ver até onde ele podia chegar. E somos iguais a ele.

 É o que a gente anda fazendo... Pagando pra ver.

— Que bom que tá com medo, bebê. Você precisa disso, igual a mim. 

 Isso é uma coisa boa. Aliás, mais que isso. Porque... Eu não consigo me ver em uma vida que corra para longe dos traços do Robert e tantos outros. 

 Só não quero que a gente tenha o mesmo fim que ele. 

 Não teremos. 

 Como sabe? 

 Porque eu enxergo a Patti. O tempo todo. Um faz parte do outro. O Robert é a parte mais destrutiva que a gente tem aqui dentro. Ele é quem nos força a abrir a janela e sentir vontade de pular só pra sentir o vento contra o rosto e a liberdade. Mas a Patti é quem corre, entende? Ela sente o vento do mesmo jeito e consegue permanecer inteira. 

 Mas... Às vezes sinto vergonha por não ser como ele. Queria saber como é não medir consequências, agir com instinto, sabe? É disso que somos feitos, desde o princípio. Por que a gente não caminha por esse caminho? 

 Eu também sinto. Porque isso nos torna um pouco mais covarde, e a covardia é vergonhosa. Afinal de contas, de que vale uma vida se não podemos vivê-la de maneira heroica?

 Eu sei que pessoas assim terão fins horríveis, mas eu queria não saber disso, ou fingir que não sei, e não consigo.

— O Kurt se suicidou, o Robert morreu da mesma forma que o Cazuza e o Renato... E eu choro às vezes por não ter a resposta para essas indagações.

 Queria tanto que eles voltassem pra dizer se valeu a pena, queria tanto que alguém me dissesse ou que eu tivesse coragem pra descobrir sozinha.


Mariane Cardoso & Isla Cezzani
 

terça-feira, 19 de junho de 2012


Intocáveis


Part. I


Nós não pretendíamos chegar a lugar algum. Os sonhos cabiam perfeitamente entre as paredes do nosso ateliê. Entre o nosso colchão, as cinzas do cigarro e a vitrola, havia segredos onde Nicole preferia não tocar. Por alguma razão ela sempre abandonou seus poemas pela metade, mas no fundo as marcas nas folhas causadas pelas suas lágrimas já eram o suficiente para tornar qualquer mísero verso em algo capaz de atravessar a alma.

Nicole brotou do meu silêncio. E de tudo aquilo que eu tinha medo.


Ela era semelhante a um borrão: Por mais desastroso e desesperador que possa parecer, é impossível excluir de si toda a beleza apenas pelo medo de ser triste. No dia em que a encontrei pela primeira vez, ela estava sentada em uma cafeteria com os cabelos desgrenhados e sujos de tinta. Na mão direita segurava uma caneta contra o papel, na mão esquerda agarrava o pingente de sua corrente com uma força notável. Nicole parecia sustentar uma agonia doída enquanto percorria cada canto do ambiente com os olhos. Foi assim que nos encontramos. Quando ela pousou seus olhos nos meus, acidentalmente. Era apenas o primeiro momento e Nicole já sabia como roubar as minhas palavras com uma astúcia assustadora. O que ocorreu nos segundos seguintes permanece intacto (existem detalhes que de tão belos e singelos, tornam-se inalcançáveis). E o bloco de notas que ela tinha em mãos naquela manhã chuvosa, hoje eu seguro durante todas as noites buscando encontrar alguns dos vestígios da sua alma que nem sempre sou capaz de capturar.


Nicole e eu arrumamos nossas malas e abandonamos o mundo que até então conhecíamos. O ateliê passou a delimitar o território do nosso universo e além deste, o único caminho que nós seríamos capazes de enfrentar, eram as estradas. E enfrentamos. Por quinze dias percorremos todo o litoral e nesse curto espeço de tempo descobrimos partes das nossas individualidades que por tanto tempo permaneceram escondidas.


- Mais um dia sem saber onde pousaremos nosso corpo. Isso não te assusta, amor? – Ela perguntou sem desviar os olhos do horizonte. Permanecia intacta, debruçada na janela do carro enquanto o vento beijava seus cabelos.


- Por que assustaria? Nós sonhamos com essa incerteza durante muito tempo para temer sua concretização, Nicole.


- Mas você sabe que eu tenho medo. Nossa cama parece mais segura do que este pôr-do-sol. Ele me engole e eu me sinto a criatura mais covarde do mundo por estar chorando. Existem pedaços dos nossos sonhos que nem mesmo nós dois fomos capazes de reconhecer. Pura covardia. Puro medo de nos derrubarmos com as nossas verdades mais podres. A gente precisa saber por onde ir, amor. Não posso perdê-lo na próxima virada. Nós desconhecemos o abismo que existe entre o espaço do nosso sonho e a realidade que nos corta.


Calei-me como todas as vezes em que Nicole roubava minha voz e meu choro. Como todas as vezes em que ela me tocava sem pudor… Ela é um misto de luz e sombras do qual não sou capaz de me desvencilhar.


- Eu amo você, meu bem. Agora cale seus medos mais absurdos e sonhe um pouco. Chega de pôr-do-sol. – Eu lhe disse enquanto ela se encolhia no banco do carro.


- Promete fazer um apanhador de sonhos pra mim quando voltarmos ao ateliê?


- Eu prometo. 


Nicole vem de um lugar perdido entre histórias reais e seus sonhos. Talvez seja esta a verdade que me torna incapaz de tê-la completamente envolta em meus braços. Eu a perdi numa daquelas madrugadas gélidas e calmas, quando não fui capaz de atravessar a janela que desenhava imagens do universo que Nicole escondia. E mesmo quando ela me encara sem trajes e sem medos, eu ainda sinto que parte dela não está presente. Talvez seja necessário rasgar todos os seus poemas e jogar fora todas as suas pinturas... Ela sempre será aquela que abandona a si mesma enquanto deixa que sua arte vá escapulindo e aderindo traços e formatos. No fundo sei que prefiro ter apenas um pedaço dela, o pedaço que se encaixa em meu corpo durante as noites longas e frias. Nos momentos em que nos encontramos, e logo, nos perdemos: Um no corpo do outro. São estas as noites em que Nicole não desperta chorando. A outra parte da sua alma que parece transcender em sua arte, eu prefiro que continue sendo guardada entre os segredos que recolhem sua magia, e que por vezes, liberta-se.


Como as borboletas que duram um dia,

e uma eternidade. Imortais. 

sábado, 16 de junho de 2012

Embriaguem-se


É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: “É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso”. Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.
Baudelaire 

terça-feira, 5 de junho de 2012

"(...) Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso 
Mas a outra metade é um vulcão. (...)"



Oswaldo Montenegro

sexta-feira, 25 de maio de 2012


"Quem disse que a arte era uma atividade inocente? Ela era o próprio pulso de uma sociedade, seu reflexo, sua dimensão imaginária, sua aspiração ao espiritual, aquela parte do sonho que participa ao menos pela metade da psique humana, não importa a forma que assuma."

Bernard Fauconnier

quinta-feira, 24 de maio de 2012

(...)

Ana não sabia, mas ela carregava na alma não só um, mas três universos inteiros. Por isso a chuva, a melancolia e a insônia. Não da pra ser feito gente que só é gente quando se rasga e continuar sem marcas. O mundo deixa resquícios em Ana e essas marcas viram histórias a serem contadas em dias como esse. Dias em que fechamos todas as janelas para não sentirmos frio, mas iluminamos um mundo passado só pra ter certeza de que existimos.
E Ana, de fato, existiu.
Um fato curioso é o seu nascimento. Ana brotou de uma dor que não convém ser canalizada e guarda um tipo de beleza difícil de ser compreendida. Nem todos são capazes de tocá-la profundamente, mas isso não a entristece. Diz que seus mundos são para os raros. E mesmo com universos tão distintos e distantes, Ana não está imune às dores mundanas. Na verdade, ela é como a camada do passado que não nos forçamos a olhar. O rastro onde se escondem os nossos erros mais mesquinhos, e erros que não foram nossos, mas que mesmo assim fomos obrigados a pagar com o corpo e com as madrugadas cada deslize cometido.

Ana também é feita de nostalgia: O som do portão se abrindo e os assovios que diziam olá para a enorme casa pintada de azul. Um detalhe interessante é o sorriso meia-boca que Ana abre quando sente a coragem necessária para tocar nos seus dias mais puros e iluminados. Ela costuma contar histórias sobre como é se sentir protegida e quente. Certa vez, seus pais a deixaram por (quase) uma noite na casa de seus avós, prometeram voltar para lhe buscar na manhã seguida. Ana, desajeitada, e como sempre se metendo em lugares onde não lhe cabem, prendeu o dedo na porta do quarto. Chorando sem parar com os dedinhos roxos implorava para ter o colo da sua mãe e o carinho do seu pai. Seus avós ligaram urgentemente para os pais de Ana, e quando a menina soube que seus protetores estavam a caminho, colocou seu coração envolto em uma calmaria que nenhum dedinho roxo seria capaz de romper. Ana adormeceu antes mesmo que seus pais chegassem... Ao relatar essa breve história ela mantinha os olhos fixos na porta. Confessou que esta foi a última noite em que se sentiu verdadeiramente segura. Os dias (meses e anos) seguidos foram um misto de rosas murchas e vidros quebrados.

Agora Ana é um poço de solidão que se esconde em uma cidade não tão grande e em um apartamento não tão seguro. Ao invés dos assovios, ela possui apenas a conversa distante e barulhenta dos vizinhos no corredor. Ao invés do calor, Ana tem o medo (e uma porção de poemas pela metade). Por vezes ela cansa de se sustentar e então espera que o dia chegue ao fim o mais depressa possível. Ela precisa do pôr do sol pra se sentir viva, assim como precisamos do passado para sentirmos nem que seja a certeza duvidosa da nossa existência. Porque as dores, meus caros, é o que Ana possui de real ainda que não seja concreto.

Ela vive do lodo
e da água que escorre até os bueiros.

Para não tocarmos, e não ser visível. É exatamente esta a essência que compõe sua alma turbulenta. Ana é o não dito. As podridões que varremos para debaixo de sofá, e que nem a poesia nos permite ter por completo. Porque quando Ana nos toca, ela nos rompe e vai embora sem pausa para beijo de despedida e carta borrada por lágrimas de saudade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Lugar nenhum

Este é o ponto em que faltam as certezas e o que é certo é só uma sombra distorcida do que lhes é conveniente. Mas quem somos nós para tocar no que sempre foi coerente apenas por não sermos capazes de enxergar tamanha coerência numa vida marcada por horários e quartos com janelas fechadas? Eu tentei me controlar e respirar fundo. Eu tentei caber onde haviam dito que era seguro e estável, mas inevitavelmente eu acabei escapulindo pros lados e o esforço para sufocar o choro me custou arranhões e uma perna quebrada. Já faz dias desde que eu acordei sem saber por onde ir. E se continuo estagnada por duas longas semanas, não é por falta de coragem para dar o próximo passo. O meu freio é resultado daquilo que ainda não fui capaz de decifrar, e francamente, a cada dia que passa me sinto mais distante de alcançar qualquer resposta válida. Dezessete não é uma idade confiável para saber quem nós somos.

sábado, 19 de maio de 2012

segunda-feira, 14 de maio de 2012

"Mas eu precesiva levar em consideração o fato de que eu parecia ter todo um outro lado. O que esse lado tinha a ver com arte, eu não tinha certeza."

Patti Smith

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Onde eu jamais deveria ter tocado.

Eu costumava acreditar que escrevia para aliviar. Como se houvesse em cada palavra o sopro necessário para limpar os ombros e reconstituir a alma. Hoje eu entendo que não sou tão grande assim (ao ponto de engolir o mundo sem vomitá-lo depois). Eu fui feita para extrapolar e é neste fato que reside a minha culpa pelas amplitudes inimagináveis que sou capaz de conceder aos sonhos e sentimentos. A alma deixa de caber no corpo e sente as desventuras do mundo sem a segurança das armaduras: É exatamente neste ponto onde eu me desmancho entre lágrimas e palavras.

A verdade é que tínhamos o hábito de nos esconder no abismo que há entre aquilo que sentimos e aquilo que pronunciamos. Havia medo nos meus lençóis e entre as páginas de um diário amarelado. Os segredos que guardamos são a parte mais bonita das nossas histórias, por isso tanto medo na hora de entregar a última estrela, o último resquício; a última gota de mistério que nos concedia um pouco mais de dignidade e beleza. Agora eu falo sobre ser capaz de escrever e confessar centenas de verdades, e ainda assim ser capaz de possuir uma bela máscara cheia de lantejoulas, que lhe instigam a querer rasgar mais uma peça deste figurino. E para continuar com este jogo de contradições eu posso garantir que me sinto nua e absurdamente vulnerável ao terminar de escrever. Há quem consiga lidar com o que tenho de mais convincente e óbvio, mas a verdade é que só aqueles que vagam entre as minhas confissões é que realmente estão aptos a receber um terço do que guardo em segredo.

E apesar de tudo, ainda não sei lidar com as minhas extremidades. Eu mudo o cenário e atmosfera quando se trata de sentimentos. Vou resgatando um pouco do que sobrou dos dias, da vida, do céu, e daquilo que sempre ousamos romper: A calma e o silêncio. A partir de então eu escrevo pra entender o que sinto, e como eu havia dito, não para aliviar. Porque na verdade, no fundo, as dores tornam-se oceanos quando são instigadas. E as palavras são como varetas finas que fazem doer até nos colocarmos aos prantos. Eu me sinto fraca quando olho o céu... Sinto-me miseravelmente pequena. É esta a sensação que me acompanha enquanto escrevo.

Pouco corpo pra muita alma. Poucas madrugadas para muitas lágrimas (e corações embriagados por centenas de doses de sentimentos desvairados).

quarta-feira, 2 de maio de 2012

"Ortega afirmou que nascemos num mundo que nos molda, mas que podemos mudar o nosso mundo modificando o modo como o percebemos. Ortega reconheceu que, não importa o quanto nos liberemos para imaginar novos futuros, as circunstâncias sempre limitarão a extensão da realização desses futuros. A realidade do mundo sempre colidirá com nossos sonhos, mas mesmo assim devemos sonhar em libertar a nós mesmos desde o presente. É por isso que Ortega vê a vida como uma série de colisões com o futuro."

Fragmento sobre José Ortega, retirado do 'Livro da Filosofia'

domingo, 29 de abril de 2012

"Quantas vezes eu estive
Cara a cara com a pior metade?
A lembrança no espelho,
A esperança na outra margem.

Quantas vezes a gente sobrevive
À hora da verdade?
Na falta de algo melhor
Nunca me faltou coragem (...)"


Surfando Karmas & DNA - Engenheiros do Hawaii

quinta-feira, 26 de abril de 2012

terça-feira, 24 de abril de 2012

Translações e Rotações

Essa é uma carta escrita para ser atirada contra o vento, sem envelopes ou assinaturas. Nas próximas linhas espero honrar o triunfo dos recomeços, das nossas vidas que perdem-se em vielas enquanto se preparam para brindar o alcance de novos céus.

A gente não conhecia a grandiosidade das nossas palavras enquanto confessamos segredos no sofá azul, mas é fácil perceber a atmosfera limpa que enchem meus pulmões de vida e me fazem não querer fechar a porta da varanda: Eu recuperei a minha astúcia. Foi como boiar sobre as águas de um rio e presenciar o fim dos nossos medos e o início de um mundo misterioso e instigante: Olhar para cada um dos lados e enxergar a infindável beleza do horizonte, quando o dia já não era mais dia, e a noite ainda não havia nos presenteado com as estrelas. Eu me encontrei entre o sol que adormecia lentamente, deitando-se atrás de uma colina, e a lua que se estendia destemida com a sua habitual elegância.

E enquanto houver a escuridão transformando-se em luz, e até mesmo luz que se funde em escuridões, eu serei capaz de sobreviver. Como despertar em uma manhã e ser capaz de ser levada através do canto dos pássaros, sem medos e agonias. As rotações nos tornaram capazes de alcançar a serenidade. Ainda seja bem vindo o caos do tempo que nos rompe ao meio e nos atira pedras contra a face. Aprendi que não posso correr do que machuca e corrói. Houve quem me puxasse pelo braço e dissesse para não temer: E eu não temi. Quando dei por mim estava sob as águas, imersa sob um misto de calmaria e tempestade. Mas não gritei. Não nadei até a superfície. Para ser honesta, ainda estou sem fôlego.

Como um sábio lhe confessou: “Hora do mundo dar mais uma cambalhota para trás

Para que o mundo vire mundo e possamos comemorar mais um triunfo. Para que um dia os anos virem história e possamos nos encontrar entre parágrafos gigantescos. Para que adormeçam os medos e desperte a glória da nossa astúcia. E que as noites sejam longas com sabor de eternidade (pra fazer o mundo caber entre as paredes de um quarto).

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Foi como soprar borboletas em meu estômago.
(E dar vida ao que eu conhecia como asas mortas)

sábado, 21 de abril de 2012

domingo, 15 de abril de 2012

E eis que em breve nos separaremos
E a verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia
Eu agora sei, eu sou só
Eu e minha liberdade que não sei usar
Mas, eu assumo a minha solidão
Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa
Guardo teu nome em segredo
Preciso de segredos para viver
E eis que depois de uma tarde de quem sou eu
E de acordar a uma hora da madrugada em desespero
Eis que as três horas da madrugada, acordei e me encontrei
Fui ao encontro de mim, calma, alegre, plenitude sem fulminação
Simplesmente eu sou eu, e você é você
É lindo, é vasto, vai durar
Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida
Mas, por enquanto, olha pra mim e me ama
Não, tu olhas pra ti e te amas
É o que está certo
Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca
E tudo isso ganhei ao deixar de te amar
Escuta! Eu te deixo ser… Deixa-me ser!

Clarice Lispector

sábado, 14 de abril de 2012

Agora eu suplico por mais força:

Pra ser capaz de não mais sustentar os medos. Devorá-los, talvez.

Eu tinha em mente que um dia o mundo pesaria ao ponto de me causar febre e dores em todas as partes do corpo. Eu só não sabia como era sufocante não poder escrever por dias inteiros, e quando remexia nas palavras só encontrava borrões na folha em branco: Mundos vazios mesclando-se entre os medos que me devoram. Talvez só agora eu seja grande o suficiente pra abrir a janela e gritar angústias contra o vento. É difícil estar no lugar daqueles que um dia escreveram sobre suas tristezas e dores. Poemas são belos quando lidos, mas poesia quando escrita é como uma lágrima que corrói a pele enquanto desce de encontro aos lábios.

Eu nasci para me desmanchar. Para não ser capaz de conter as lágrimas.

E o que nos prende aqui? O que me mantém presa neste casulo? Eu falo sobre liberdade, mas não sei abrir as asas. Eu sou a minha própria prisão com paredes imensas e concretas que impedem a luz do sol... Mas eu jurava que poderia tocar a luz. Eu daria meia vida pra ser capaz de alcançar a sutilidade. Adormecer é como calar os trovões e fazer parte de uma chuva calma, como uma simples e inofensiva garoa. Entretanto, despertar é pedir pra doer um pouco mais. Sentir o peso de uma ausência infindável, a morte de uma parte nossa que não nos permite mais ser como fomos no dia anterior. Sonhos fazem parte disso: Da morte que não vemos, do mundo que não nos despedimos. A realidade é a força que procuramos para tornar a dor um pouco mais suportável e a vida menos dilacerante.

Eu sinto que possuo uma veia dramática e não posso me desvencilhar dela. Seria como apagar toda a luz que compõe uma alma tristonha. As estradas costumam gritar meu nome, mas eu nunca vou além da janela e dos meus medos. – Talvez seja a hora de deixar as armaduras para trás. Porque eu sou a minha mais devastadora inimiga, que acorrenta os próprios pés com correntes pesadas.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

domingo, 8 de abril de 2012

Minha Boemia
(fantasia)

Eu caminhava, as mãos soltas nos bolsos gastos;
O meu paletó não era bem o ideal;
Ia sob o céu, Musa! Teu amante leal;
Ah! E sonhava mil amores insensatos

Minha única calça tinha um largo furo.
Pequeno Polegar, eu tecia no percurso
Um rosário de rimas. A Grande Ursa,
O meu albergue, brilhava no céu escuro.

Sentado na sargeta, só, eu a ouvia
Nessa noite de setembro em que sentia
O odor das rosas, que vinho vigoroso!

Ali, entre inúmeros ombros fantásticos,
Rimava com a débil lira dos elásticos
De meus sapatos, e o coração doloroso!

Arthur Rimbaud

segunda-feira, 2 de abril de 2012

sábado, 31 de março de 2012

Não sei em que momento nós passamos a deixar os sonhos de lado, e apesar de não lembrar com clareza qual foi o ponto sobre nós dois que passou despercebido, eu não deixo de temer a ausência das vozes na madrugada, os planos deixados para trás.

Eu digo que tenho medo de perder, mas você já foi embora faz muito tempo. Por favor, não me culpe por desistir. Entenda que eu não tive escolha, suas palavras foram vazias e meu coração não consegue manter-se inteiro quando já não há encanto. Não ouse duvidar do que há aqui dentro, e do que sinto quando as pessoas perguntam sobre nós dois. Ainda dói não ter resposta, ainda dói ter que abaixar a cabeça e tentar espantar as lembranças que construímos. Chega um ponto em que se torna difícil acreditar quando já não há um retorno. Nós dois sabemos o quão crucial é a sinceridade diante das nossas circunstâncias; eu não posso tentar compreender o seu mundo através do brilho dos seus olhos ou do jeito desconcertado dos seus gestos. A gente sonhou que ganharia o mundo, que seria eterno. A gente não sabia muita coisa, só conhecia as borboletas no estômago, as confissões pela madrugada, e a dor da saudade. Eu não posso chama-lo para mais uma conversa, mais uma tentativa. As frases miúdas não são o suficiente e eu não posso lutar contra elas.

E quantas cartas de despedidas serão necessárias para nos conceder a decisão ainda que dolorosa do ponto final? A partir de que momento nós poderemos seguir em frente sem machucar um ao outro? Nós fomos uma margem borrada de tudo aquilo que jamais poderíamos ser, e chegar a esta conclusão é como matar metade daquilo que me estendia de pé. Até que ponto as ilusões serão a maior parte do que existe entre nós? Até quando eu sentirei vontade de lhe telefonar e pedir que fale um pouco mais... Me conte um pouco sobre o seu dia, sua família, seus medos e sobre o nosso amor. Quero ouvi-lo dizer que me amar, nem que esta seja a última vez. Dois anos não são dois dias. Dois anos foram uma vida... Uma vida que foi nossa mesmo com tantos intervalos. Foi um pedacinho meu que permanecerá com você eternamente, um pedacinho seu que eu guardarei até o fim dos meus dias.

Só a gente sabe como foi difícil, como as pernas tremeram, o sono foi espantado. Mas a gente também sabe o quão encantador foram os nossos sonhos; Uma passagem para o mundo distante, um lugar que pudesse sustentar a nós dois, nossa presença mesclada em um amor que nos tornaria únicos. A gente se achava especial, traçados por um amor que jamais alguém fora capaz de ouvir falar, e que nós dois não ousaríamos contar. Era uma história nossa. Triste, mas nossa. Os verbos vão se conjugando no passado e a saudade senta ao meu lado e pede um café amargo. Vou lembrar de você quando a vida apertar e eu me por a chorar. Vou amar você quando o céu estiver limpo e vida brotando colorida feito flores de esperança.

O eterno, eu aprendi, é o que fica guardado e sobrevive até mesmo diante da ausência.

(Foi como retirar do baú pedindo pra chorar mais uma vez. Foi como pegar o passado só pra poder sentir um pouco mais de saudade e lembrar de como fomos ingênuos)

Notas sobre um sábado de manhã:

Eu levantei pedindo pra o vento espantar as dores que rondavam o meu corpo. É difícil ter que lidar com um constante mal-estar. Vesti meu vestido mais leve e calcei minhas sandálias – só para tirá-las depois e poder afundar os pés na areia da praia. O céu estava calmo e ao mesmo tempo triste, mas nem por isso estava menos belo. Eu me perco no momento em que encaro os traços do horizonte tocando o oceano. Senti os pingos de chuva e olhei para o céu só pra lavar a alma. E lavei. E senti. E respirei.

Agora o vento que soprava meu vestido sopra também o meu cabelo e dá asas ao meu coração. Eu estou mais calma, e na verdade, este é apenas um agradecimento aos céus. Desde que haja imensidões, ventos fortes e alguns pingos de chuva eu serei capaz de me levantar de novo. Desde que o mar não me abandone e continue me prendendo entre horizontes, eu juro que serei forte o suficiente para não encostar os joelhos no chão. Porque do chão eu me mantenho erguida e molho os pés nas águas que se quebram.

A gente se quebra pra ser forte outra vez.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Esse é um apelo aos que sentem: Aqueles que gritam as dores do mundo.


Houve um dia quem acreditou no mundo e estendeu sua bandeira contra o céu. Algumas gerações se destrincham e sempre há uma alma que de tão bonita não coube no corpo, saltou para as artes. Eu não reclamo mais do meu choro e tento não encarar a vida com tanto pesar. A tristeza também é capaz de moldar quadros belíssimos.

O tempo não nos deixa olhar para os lados quando chega o entardecer. A gente vai ficando preso no próprio mundo e grita quieto sem fazer barulho pra não abalar a rotina do vizinho. Eu vejo quem anda por aí como quem esconde tesouros, mas não sou capaz de tocar. A gente vive cheio de medo porque sabe que o mundo não é tão óbvio quanto parece. Existem mais dores em uma madrugada do que se é possível contar ou chorar.

Não nos fora dado o artifício da blindagem então o máximo que podemos fazer é sangrar através de tintas e traços. Eu me lembro de estar escondida durante muito tempo, e de não me permitir saltar de edifícios altos quando sonhava. Essa cidade era pequena demais para tantos arranha-céus, nos roubaram a lua e as estrelas. Mas desde quando o céu é tão importante por aqui? Para gente como a gente que sente o mundo e espera o vento soprar um pouco de alívio, o céu sempre foi a fuga transformada em infinito.

Eu gostaria de saber como é ser engolida pelo mar. Talvez seja como ser dominada pelo mundo... Não é fácil expulsar essa confusão que brota a cada linha. Eu sei que jorro uma porção de sentimentos desvairados, mas já não tenho tanto medo: eu sei que você é capaz de compreender. Da mesma forma como quando um grito ecoa do outro lado da avenida e nos atinge pra corroer a alma e invadir o peito. Sensibilidade é um dom que custa a ser sustentado.

Ainda existem aqueles que nos atiram pedras e pedem para que sejamos capazes de olhar um pouco menos para o céu e mais para o chão. Há quem nos tire do mar pra pisarmos no asfalto, e quando nos empurram para o lado concreto, espero que sejamos capazes de plantar uma muda de flor nas margens do mundo. Assim somos capazes de deixar rastros e armadilhas de esperança.

Este é um apelo aos que sentem. Aos que colorem. Aos que sonham. Aos que são feitos de alma e corpo, e não o contrário. Porque o mundo precisa de alguém que grite e quebre esse vasto silêncio. É necessário uma boa dosagem de fé e coragem para os que sonham.

sexta-feira, 23 de março de 2012


Guerra pra quê?

Em fevereiro de 1945, Drummond concedeu uma entrevista ao repórter Ary de Andrade. Perguntado sobre a guerra, respondeu:

Para que se pudesse dizer que este conflito não foi em vão e veio beneficiar a humanidade, seria preciso que esse amanhã, de que estamos ainda num sombrio princípio de aurora, trouxesse melhores condições de vida, habitação, cultura, subsistência para todos os homens, sem distinções nem discriminações, quaisquer que elas fossem.
Que às bibliotecas fosse permitido o acesso aos que têm os pés descalços...

Uma tarde com Drummond

“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”

E então a gente se sustenta aos pouquinhos e atravessa a vida mesmo estando pelas avessas: A gente tinha que ficar às margens das multidões para sobreviver. É este o motivo das inquietações, meu caro Drummond... As palavras perambulam por dentro da gente procurando uma forma de sair só para narrar sobre as agonias que preenchem o nosso peito. Gastamos meia vida pensando num verso e no fim do dia continuamos com a página em branco. A gente se encontra na poesia dos outros e olha o próprio reflexo com estranheza. Eu continuo andando torta, mas vou sobrevivendo enquanto cato as migalhas. Desde que a poesia inunde as minhas noites eu juro ser capaz de transcender a mais uma morte durante as madrugadas. A gente não sabe, mas quando o sol se põe uma parte nossa adormece para sempre. Fica no passado pra virar verso de saudade na companhia de um café bem quente pela manhã...

“Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.”

Enquanto isso eu sei que choro escondida só pra ninguém questionar as minhas lágrimas. Eu sinto dores de gritos que não são meus, então me ensina a ser uma gauche mais digna, Drummond. A gente vive na sombra, na esquerda, na curva onde os carros se perdem e a solidão de outras vidas se cruzam. Eu lhe juro que não sei ser capaz de suportar um mundo dentro da própria alma, por isso eu escrevo de maneira meio rasgada... Eu não sei viver quando a agonia fica presa no peito e a gente já nem sabe mais como respirar.

Espera por mim que um dia eu chego lá, só pra podermos nos embebedar e soluçar como quem pede desculpas pelo próprio choro. Veja bem... Eu quero abrir a janela, mas não quero deixar o barulho quebrar a minha quietude. A gente se enche de solidão pra dominar a essência do gauche mesmo quando não pedimos por isso. Não dá pra manter o equilíbrio entre este mundo que tocamos e aquele que nos toca. Mesmo quando nos expulsamos através das palavras, ainda não somos capazes de suportar a realidade. Deixa que o surreal tome conta de nós para nos tornarmos um pouco mais dignos. Talvez assim a nossa existência possa ser encarada como algo mais bonito e menos acidental. O teu gauche vem do francês pra nos apanhar e tomar para si a nossa tristeza e solidão. O gauche foi tua fase mais bela, Drummond.

“Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.”






domingo, 18 de março de 2012

sexta-feira, 16 de março de 2012

quinta-feira, 15 de março de 2012

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada

Rosa de Hiroshima - Vinícius de Moraes

quarta-feira, 14 de março de 2012

"Não acusar-me. Buscar a base do egoísmo: tudo o que não sou não pode me interessar, há impossibilidade de ser além do que se é – no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que quase normalmente -; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo; se a civilização dos Maias não me interessa é porque nada tenho dentro de mim que se possa unir aos seus baixos-relevos; aceito tudo o que vem de mim porque não tenho conhecimento das causas e é possível que esteja pisando no vital sem saber; é essa a minha maior humildade, adivinhava ela."

Clarice Lispector em "Perto do coração selvagem"

domingo, 11 de março de 2012

Apesar de tudo, eu sei. It's my fault.

Nunca estive presente de corpo e alma: Metade de mim temia o futuro enquanto a outra se condenava pelo passado. Eu esperava ansiosamente pela hora do dia em que era permitido chorar quieta e fechar os olhos em um pedido de fé. Fé não sei em que, depositada em não sei quem... Soava mais como um pedido choroso feito ao universo, que conspire ao meu favor e que eu seja forte o suficiente para sustentar a casa em dias de tempestade.

Abandonar o mundo que até então era tudo o que se conhecia é como matar uma parte de si, mas no final das contas a gente descobre que essa morte é inevitável. Não entro mais nos ônibus com a mesma paciência, eu quero chegar lá o mais rápido possível, onde quer que esse “lá” esteja. É nos meus pés desastrados que reside a minha culpa, porque eu ando apressada e tropeço nos cadarços desamarrados. Eu perdi a chance de olhar o céu pela manhã quando o medo vendou os meus olhos. Eu perdi a chance de chorar quando respirei fundo e moldei mais uma pedrinha no meu coração. As lágrimas, quando não derramadas, nos endurecem. É como a tristeza libertando-se do abstrato e invadindo o mundo concreto.

A gente também tem que ter muito mais coragem, porque temos muito mais medos.

E a gente não se desfaz da solidão porque tem medo de acabar com as mãos vazias e nenhuma história pra contar. Enquanto a luz do quarto estiver apagada o mundo fica mais quieto, e não há mais tanto medo do escuro. Eu arquitetei a minha própria melancolia mas acabei sem saber continuar o poema... Como a vida que permanece estagnada em um verso que se perdeu em meio ao que o caos foi capaz de estabelecer. A loucura é um borrão negro que não se deixa ser revelado... Enquanto andamos na rua ninguém olha pros lados, mas é mania minha olhar andando pro chão. Culpa do medo. Mesmo quando o que vem depois é o que me instiga...

“These days I barely get by
I don’t even try”

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Uma história que não deveria ser contada.

Eu tenho receio de contar esta história. Existem rachaduras sob a nossa casca e o mundo não é um lugar muito seguro. Talvez o horário não favoreça a ocasião, as estrelas constroem pontes de melancolia durante a frieza das madrugadas. Mas mesmo diante de circunstâncias precárias eu me esforço para sustentar o lápis e atiçar as palavras: As vírgulas, ou melhor, as rachaduras são como socos em meu estômago. Escrevo não por prazer, mas por agonia.

Final dos anos 90 e eu ainda não sabia o que era ser alguém. Sei que gostava de bolinhas de gude, pipas e banhos em águas profundas. Eu tinha a mania de acreditar em tudo o que os outros julgavam impossível e a vida era sempre cheia de grandes possibilidades. Gostava de escrever cartas, ou melhor, desenhá-las. Naquela época ainda não havia sinais de rachadura sob a imensa casa azul... Eu poderia jurar com os dedos cruzados e a inocência que o mundo se destrinchava como em um daqueles livros... Caminhando a gente poderia até levar um, dois ou três tombos, mas no final algo mágico e surpreendente nos aguardava para tornar a vida mais intrigante e poética.

Eu ainda cabia em vestes pequenas e prendia o cabelo com uma fita vermelha. O mundo parecia meu quando eu sentava no banco da frente do carro e viajava sem destinos na companhia do meu pai. A gente ia em direção ao sol, e quando este se deitava do outro lado do horizonte a gente já havia percorrido meia vida. Eu jogava meus pés para cima e não ousava retirar os olhos da estrada: O céu corria comigo. Quando voltávamos para casa a rotina parecia menos pesada e o dia mais azul. Mas eu ainda sentia a angústia de descobrir quem era a menina que eu encarava contra o espelho. O peso da existência é um fardo sobre nossos ombros.

Já crescida eu jurava que sabia o que era sonhar, mas depois de tantas desventuras eu me sinto como uma clandestina aos dezessete. Eu fiquei surpresa quando me olharam com olhos estranhos e confessaram não saber, de fato, quem eu sou. Eu estou presa nos segredos buscando uma arte para tornar a vida um pouco mais digna. Há o passado que é feito correntes entre as minhas pernas, e as noites de desespero. Já não sei de onde vem a calma, e francamente, a desprezo. Eu me descobri como uma sobrevivente que tentou salvar a vida de um poço de mentiras.

Talvez, um dia, eu consiga realizar algo de importante. Certa vez ouvi dizer que histórias para serem verdadeiras, só precisam ser compartilhadas. Eu quero ser um pouco maior pra poder ser do mundo. Ninguém jamais será capaz de destruir as minhas asas, meu maior inimigo é o medo preso pelas minhas entranhas. Eu quero ser capaz de transpor os sentimento até as palavras, só para não perder o costume de me sentir vulnerável. A gente precisa jogar as armaduras no chão para poder viver um pouco mais. Não sou capaz de entender a morte ou qualquer tipo de final. Porque eu não gosto dos créditos depois do filme ou de não ter mais uma página para virar no livro. Parte de mim é a continuação daquilo que o branco consumiu. Parte de mim é o mundo escondido no ponto final. Por favor, não julguem os românticos ou os artistas... Estes são espécies diferentes de humanos. A vida destrinchada diante dos seus olhos é como um café quente pronto para queimar a língua e deixar marcas na pele sensível. Sensibilidade, talvez esta seja a essência do meu mundo.

(...)