sexta-feira, 25 de maio de 2012


"Quem disse que a arte era uma atividade inocente? Ela era o próprio pulso de uma sociedade, seu reflexo, sua dimensão imaginária, sua aspiração ao espiritual, aquela parte do sonho que participa ao menos pela metade da psique humana, não importa a forma que assuma."

Bernard Fauconnier

quinta-feira, 24 de maio de 2012

(...)

Ana não sabia, mas ela carregava na alma não só um, mas três universos inteiros. Por isso a chuva, a melancolia e a insônia. Não da pra ser feito gente que só é gente quando se rasga e continuar sem marcas. O mundo deixa resquícios em Ana e essas marcas viram histórias a serem contadas em dias como esse. Dias em que fechamos todas as janelas para não sentirmos frio, mas iluminamos um mundo passado só pra ter certeza de que existimos.
E Ana, de fato, existiu.
Um fato curioso é o seu nascimento. Ana brotou de uma dor que não convém ser canalizada e guarda um tipo de beleza difícil de ser compreendida. Nem todos são capazes de tocá-la profundamente, mas isso não a entristece. Diz que seus mundos são para os raros. E mesmo com universos tão distintos e distantes, Ana não está imune às dores mundanas. Na verdade, ela é como a camada do passado que não nos forçamos a olhar. O rastro onde se escondem os nossos erros mais mesquinhos, e erros que não foram nossos, mas que mesmo assim fomos obrigados a pagar com o corpo e com as madrugadas cada deslize cometido.

Ana também é feita de nostalgia: O som do portão se abrindo e os assovios que diziam olá para a enorme casa pintada de azul. Um detalhe interessante é o sorriso meia-boca que Ana abre quando sente a coragem necessária para tocar nos seus dias mais puros e iluminados. Ela costuma contar histórias sobre como é se sentir protegida e quente. Certa vez, seus pais a deixaram por (quase) uma noite na casa de seus avós, prometeram voltar para lhe buscar na manhã seguida. Ana, desajeitada, e como sempre se metendo em lugares onde não lhe cabem, prendeu o dedo na porta do quarto. Chorando sem parar com os dedinhos roxos implorava para ter o colo da sua mãe e o carinho do seu pai. Seus avós ligaram urgentemente para os pais de Ana, e quando a menina soube que seus protetores estavam a caminho, colocou seu coração envolto em uma calmaria que nenhum dedinho roxo seria capaz de romper. Ana adormeceu antes mesmo que seus pais chegassem... Ao relatar essa breve história ela mantinha os olhos fixos na porta. Confessou que esta foi a última noite em que se sentiu verdadeiramente segura. Os dias (meses e anos) seguidos foram um misto de rosas murchas e vidros quebrados.

Agora Ana é um poço de solidão que se esconde em uma cidade não tão grande e em um apartamento não tão seguro. Ao invés dos assovios, ela possui apenas a conversa distante e barulhenta dos vizinhos no corredor. Ao invés do calor, Ana tem o medo (e uma porção de poemas pela metade). Por vezes ela cansa de se sustentar e então espera que o dia chegue ao fim o mais depressa possível. Ela precisa do pôr do sol pra se sentir viva, assim como precisamos do passado para sentirmos nem que seja a certeza duvidosa da nossa existência. Porque as dores, meus caros, é o que Ana possui de real ainda que não seja concreto.

Ela vive do lodo
e da água que escorre até os bueiros.

Para não tocarmos, e não ser visível. É exatamente esta a essência que compõe sua alma turbulenta. Ana é o não dito. As podridões que varremos para debaixo de sofá, e que nem a poesia nos permite ter por completo. Porque quando Ana nos toca, ela nos rompe e vai embora sem pausa para beijo de despedida e carta borrada por lágrimas de saudade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Lugar nenhum

Este é o ponto em que faltam as certezas e o que é certo é só uma sombra distorcida do que lhes é conveniente. Mas quem somos nós para tocar no que sempre foi coerente apenas por não sermos capazes de enxergar tamanha coerência numa vida marcada por horários e quartos com janelas fechadas? Eu tentei me controlar e respirar fundo. Eu tentei caber onde haviam dito que era seguro e estável, mas inevitavelmente eu acabei escapulindo pros lados e o esforço para sufocar o choro me custou arranhões e uma perna quebrada. Já faz dias desde que eu acordei sem saber por onde ir. E se continuo estagnada por duas longas semanas, não é por falta de coragem para dar o próximo passo. O meu freio é resultado daquilo que ainda não fui capaz de decifrar, e francamente, a cada dia que passa me sinto mais distante de alcançar qualquer resposta válida. Dezessete não é uma idade confiável para saber quem nós somos.

sábado, 19 de maio de 2012

segunda-feira, 14 de maio de 2012

"Mas eu precesiva levar em consideração o fato de que eu parecia ter todo um outro lado. O que esse lado tinha a ver com arte, eu não tinha certeza."

Patti Smith

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Onde eu jamais deveria ter tocado.

Eu costumava acreditar que escrevia para aliviar. Como se houvesse em cada palavra o sopro necessário para limpar os ombros e reconstituir a alma. Hoje eu entendo que não sou tão grande assim (ao ponto de engolir o mundo sem vomitá-lo depois). Eu fui feita para extrapolar e é neste fato que reside a minha culpa pelas amplitudes inimagináveis que sou capaz de conceder aos sonhos e sentimentos. A alma deixa de caber no corpo e sente as desventuras do mundo sem a segurança das armaduras: É exatamente neste ponto onde eu me desmancho entre lágrimas e palavras.

A verdade é que tínhamos o hábito de nos esconder no abismo que há entre aquilo que sentimos e aquilo que pronunciamos. Havia medo nos meus lençóis e entre as páginas de um diário amarelado. Os segredos que guardamos são a parte mais bonita das nossas histórias, por isso tanto medo na hora de entregar a última estrela, o último resquício; a última gota de mistério que nos concedia um pouco mais de dignidade e beleza. Agora eu falo sobre ser capaz de escrever e confessar centenas de verdades, e ainda assim ser capaz de possuir uma bela máscara cheia de lantejoulas, que lhe instigam a querer rasgar mais uma peça deste figurino. E para continuar com este jogo de contradições eu posso garantir que me sinto nua e absurdamente vulnerável ao terminar de escrever. Há quem consiga lidar com o que tenho de mais convincente e óbvio, mas a verdade é que só aqueles que vagam entre as minhas confissões é que realmente estão aptos a receber um terço do que guardo em segredo.

E apesar de tudo, ainda não sei lidar com as minhas extremidades. Eu mudo o cenário e atmosfera quando se trata de sentimentos. Vou resgatando um pouco do que sobrou dos dias, da vida, do céu, e daquilo que sempre ousamos romper: A calma e o silêncio. A partir de então eu escrevo pra entender o que sinto, e como eu havia dito, não para aliviar. Porque na verdade, no fundo, as dores tornam-se oceanos quando são instigadas. E as palavras são como varetas finas que fazem doer até nos colocarmos aos prantos. Eu me sinto fraca quando olho o céu... Sinto-me miseravelmente pequena. É esta a sensação que me acompanha enquanto escrevo.

Pouco corpo pra muita alma. Poucas madrugadas para muitas lágrimas (e corações embriagados por centenas de doses de sentimentos desvairados).

quarta-feira, 2 de maio de 2012

"Ortega afirmou que nascemos num mundo que nos molda, mas que podemos mudar o nosso mundo modificando o modo como o percebemos. Ortega reconheceu que, não importa o quanto nos liberemos para imaginar novos futuros, as circunstâncias sempre limitarão a extensão da realização desses futuros. A realidade do mundo sempre colidirá com nossos sonhos, mas mesmo assim devemos sonhar em libertar a nós mesmos desde o presente. É por isso que Ortega vê a vida como uma série de colisões com o futuro."

Fragmento sobre José Ortega, retirado do 'Livro da Filosofia'