Quantas despedidas serão necessárias para nos sentirmos
livres? Quantas cartas sobre o passado precisarão ser escritas para sermos
dignos de asas? Não cheguei a pensar que um dia a altura poderia provocar
sopros frios em meu estômago. Estou certa de que não há como se perder de uma
vida inteira, há somente uma maneira não tão viável de abandonar a si mesmo. Os
detalhes sempre estarão dispostos a nos entregar, como a caixa verde que nunca
permite ao meu esquecimento ir longe demais. Sempre há um resquício que nos
puxa de volta para a realidade que tanto desprezo. Já faz muito tempo desde a
última vez em que me enxerguei presa ao pudor, ao medo, ao descaso. Presa a
tudo aquilo que remete insegurança: O instável, volátil.
Fechei a mala com três pedidos, dois sonhos e um caderno. É
possível ouvir os meus passos por toda a casa, desfilando ansiedades. Porque um
único horizonte jamais será o suficiente. Eu tenho interesse pelas histórias
que precisam ser contadas, mesmo quando nunca aconteceram. Eu preciso voar um
pouco mais alto, para nutrir a ilusão de encontrar a mim mesma em um lugar
distante. A liberdade continuará sendo uma mentira muito bem articulada, mas o
mundo jamais será grande o suficiente para não caber em um álbum de
fotografias.
Então eu me desmanchei na intenção de ser redescoberta.
Talvez assim tudo o que eu confesso em segredo por aqui seja rico o suficiente
para me conceder uma lista de heterônimos e uma porção de pares de óculos
diferentes. Assim como fez Fernando Pessoa. Ou melhor, Álvares de Campos.
Ricardo Reis. Alberto Caeiro. E uma porção de tantos outros que Pessoa concedeu
a mão para redigir suas poesias.
“De eterno e belo, há apenas o sonho.”
Por quatro semanas serei grande o suficiente para alcançar
as nuvens e não olhar para trás. E para que caiba entre a bagunça da minha mala
e o meu sonho, uma porção de histórias que, apesar de não serem minhas, sejam
contadas com a ajuda das minhas mãos. Sem prender os cabelos ou as pernas. Com
a franja na altura das sobrancelhas para deixar o verde brilhar um pouco mais
forte. Com toda a sensibilidade que sou capaz de suportar.
E com tudo aquilo que o mundo foi feito para oferecer.