domingo, 30 de setembro de 2012

Depois da tempestade, a beleza

Amanhecer

     

     Quando ninguém suspeitava a chuva caiu para lavar o estardalhaço que é feito pelas coisas não-ditas-e-mal-compreendidas. Algum tipo de salvação que despreza a agonia das noites, mas ressalta a paz de abrir a janela e estender os braços. É como encontrar um ponto de luz miserável em meio ao caos das avenidas que matam qualquer esperança de se encontrar flores nas margens, pela cidade. É essa a resposta da chuva, e o que ela reflete nas poças d'água onde boiam pequenas folhas delicadas, nas gotas que acariciam as pétalas das flores, que em sua indescritível beleza, também choram por serem pisadas por aqueles que dizem amá-las - humanos são criaturas egoístas até no amor. Entretanto, ressaltarei o que vem depois da tempestade, depois dos quartos fechados e escuros, depois da boca muda e seca: Vem a paz. Esta que andei procurando para poder abrir as cortinas e respirar um pouco mais aliviada. Não houve arco-íris, nem abraços quentes... Mas houve a construção que só se ergue em um único sentido, de dentro pra fora. O fato que torna inválido qualquer tentativa de arrancar a coragem de uma palavra confortável. Crescer não é confortável. Por isso uma briga, um grito, um choro prendido, o coração trincado, o pedido de desculpas que não veio, a solidão. Para somente depois ser digno de desfrutar de um tipo muito peculiar de tranquilidade... Mas isso é coisa de quem beija o chão antes de entrar nos palcos, gente que tem coragem de se doer e se doar. Gente que tem alergia a corpos não-tocados e não-machucados. Porque o intocável não é vida, é apenas uma morte que não foi anunciada. Não há alma, não há dor, assim como não haverá o depois. 

     Eu sempre dei um valor muito grande para as coisas que saltam de dentro e invadem o mundo, seja em forma de lágrima, riso ou movimento. É como uma espécie de colheita; Colher o que brota no corpo pelo que foi plantado na alma. E eu vou colhendo a minha própria agonia ou leveza em forma de palavras, neologismos ou poemas (que nunca sou capaz de finalizar por pura covardia). Eu me ocorro na escrita  e quem sabe, na dança. Como outros que aconteceram nas pinturas, nas interpretações, nas canções, ou até mesmo nos sorrisos. Às vezes chego a conclusão de que essa sensibilidade exacerbada é parte do preço que se paga para poder enxergar determinados detalhes e por isso não resisto aos meus olhos marejados  eu deixo chover dentro de mim. Durante uma semana, antes de dormir, eu abri a janela para caçar as estrelas, mas sempre havia nuvens demais e brilho de menos. Por vezes, até mesmo a lua se escondia... E junto com a bênção eu pedia por dias que amanhecessem em mim. Mas eu não amanhecia. Sem esperança alguma e cheia de notícias desagradáveis que atiçam a falta de fé, aconteceu o sábado. E finalmente eu chorei pelos dias de lágrimas miúdas e covardes. Chorei com a coragem de quem assume a responsabilidade de depois ser capaz de reaprender a sorri e fazer com que sorriam junto. 

     Hoje, eu amanheci  — com o sorriso de quem prometeu ter força para não fugir do canto das procelárias.

domingo, 23 de setembro de 2012

— (...) É esse amor adiado, esse amor que fica pra sempre. Essa ideia de amor que existe como algo que pode ser aproveitado mais tarde, digamos que não se desperdiça. E passa o tempo, passam-se milênios e aquele amor vai ficar até debaixo d'água... E ele vai ser usado por outras pessoas. É amor que não foi utilizado por não ser correspondido, então ele fica ímpar pairando ali, esperando que alguém o apanhe e complete sua função de amor.

Chico Buarque sobre a canção Futuros Amantes


"Não se afobe não que nada é pra já, o amor não tem pressa, ele pode esperar."


domingo, 9 de setembro de 2012

Quando os infinitos se refletem


Nota:


As minhas estradas sempre foram as fugas, a pressa para alcançar o outro lado que inspirava algum tipo de segurança fictícia, porém muito convincente. Estar longe parecia ser o suficiente para não doer e não ter medo. Entretanto, os quartos ainda presenciavam a insônia e as janelas ainda sustentavam os mesmos braços debruçados, as mesmas inquietações. E num espaço de tempo entre três dias de barulho do mar, pescadores, pegadas na areia e conchas, eu encontrei a resposta. Nem longe, nem perto. D-e-n-t-r-o. Compreendi o que o mar quis dizer quando refletiu nas ondas que se quebravam, a infinidade dos céus: Onde a sensibilidade começa, mas não termina. Por ser intrínseco, e infindável. Sem conceder relevância ao solo em que piso, ou ao horizonte que alcanço, sempre vai doer um pouco mais. Sempre haverá uma lágrima prestes a saltar dos olhos e como recompensa, o mar. As ondas e aquela pequena parcela do mundo que se revela nos sentidos, e nos olhos de quem é capaz de enxergar.



Procelária


É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala

As suas asas empresta à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente

Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento

Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo


Sophia de Mello Breyner

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Coração Beija-Flor

   
     Como breves mensageiros, eles me avisaram que tudo ficaria bem. "O mau tempo logo passará, os girassóis também sentem falta do calor, assim como você" E antes da calma eu me apego ao equívoco que existe em tempos anunciados: a gente desaprende a esperar e a saborear o amargo das chuvas. Costumo guardar esse tipo de ansiedade presa ao coração, o que faz de mim um pouco mais instável do que eu deveria ser. O coração explode e os abraços são a entrega de como estou prestes a me arrebentar contra o chão. Corações velozes conservam pernas fracas. As madrugadas são o ápice do consumo, do que nos devora. A insônia é a cúmplice da morte que leva embora cada gota de esperança... E os ansiosos viverão no breve espaço entre a miragem de tudo aquilo que poderia ter existido, e a realidade com tudo aquilo que não foi pelo medo de se doer. E se doar.

     Entretanto, eu não deveria ter começado de maneira tão triste e cruel. Afinal de contas, quem assume o medo, assume quase sem querer, a coragem. É o que reside nos olhos pesados que são abertos pela manhã, e corpos pequenos que sustentam corações aparentemente derrotados por mil vidas atrás. Existem alguns momentos do que entendo por lucidez, quando a sensação de estar perdido entre tantos cheios de estradas coerentes, faz um pouco de sentido - e mesmo assim o medo, ainda acompanha. São fatos que revelam a razão de um coração sempre tão acelerado e faminto, sempre ansioso pela surpresa que vem junto com o dia que amanhece. Sempre em busca do sol que o beija-flor lhe prometeu. Por isso ser tão estupidamente leviano e atrapalhado... Transforma os olhos em lunetas que buscam o brilho das estrelas em traços de flores, discos, chaves, aviões, lantejoulas e fotografias envelhecidas.

    É isso o que conta a história que ainda não terminou. Um segredo: Na verdade, ela anda se esgueirando pelos cantos, pedindo pra sair nos dias de chuva só pra enxergar o arco-íris. Se há coragem, eu não sei. Mas por existir medo e um alguém que quer atravessar as portas - e até mesmo, as janelas - me sinto segura em dizer que existirá um ato heroico. O momento em que os traços estranhos que se refletem no espelho sejam só mais um anúncio, não dos tempos que virão, mas de quem será capaz de desbravá-los. Com um coração de beija-flor e sempre a sensação de ser dona de mil vidas e vinte segredos.