sábado, 7 de setembro de 2013

Carta ao mestre

   Acho que você sabe, eu sempre guardei uma curiosidade infinita sobre os mistérios do mar. Eu sou dele, mestre. Eu me vejo no horizonte e na parte invisível sob a imensidão azul, e nas ondas que se quebram... Quebram-se, e voltam. Voltam e voltam diferentes do que foram, cumprem seu destino e entregam suas conchas, deixam na areia da praia o que não lhes cabe mais. Eu me lembro de vê-lo carregando sua bicicleta enquanto eu cumpria um ritual com amigos, conchas e água salgada. O que eu sabia sobre você apesar de ser pouco era o suficiente para sustentar meu interesse... “É ele? O menino mágico?” Então a gente senta numa roda, e o mar quieto e sereno, se despedindo do sol, recebendo a lua, presencia o que a gente chamou de reencontro. Foi uma noite linda, menino coala, o nosso reencontro. Envolvia uma quantidade tão bonita e numerosa de pessoas de espírito livre e bondoso, contidos talvez, mas prestes a soltar a sabedoria que havia ali, guardada, pronta pra ser instigada.

   Não sou capaz de recordar uma passagem da minha vida tão rica em conhecimento como o desenrolar dos nossos encontros. Era uma coisa bonita, a sua essência.  Minha estranheza andava de mãos dadas com uma profunda admiração. Havia atemporalidade nos seus passos, e enquanto você andava o destino ia se movendo como faíscas coloridas que se movem junto com o vento, numa dança que desenha caminhos capazes de nos levar a lugares e pessoas inesperadas. Nossos encontros eram assim, uma faísca brilhando na noite que entrelaçava caminhos, e aí a gente se achava. “Olha aonde vai Peu!” Jeito bonito de se encontrar... De ser encontrado.

   Hoje eu sei que do que sou, há muito sobre o que fomos. Sobre o nosso reencontro! Minhas palavras são fortemente dirigidas a você, por pura gratidão e amor. Amor porque a partir de você mais laços foram feitos, e a nossa tribo, me representa. E de tão distintos, eu sei, a gente se pertence sem a menor pretensão de ser dono do outro. É uma amizade pura, laço de alma, de espírito. E o nosso acontecimento em conjunto não é obra única do acaso, é a sintonia do destino. Nossos passos trilhavam os mesmos caminhos e o coração beirava o mesmo precipício. Vocês me fizeram especial.

   Eu olho em volta, mestre, e vejo que o tempo presente é uma prova: Preciso aplicar toda a teoria que aprendi com você. Houve uma troca intensa de conhecimentos e aprendizagens, um momento riquíssimo em amor que sustentaria toda a saudade. Eu me lembro, de quando você me disse em uma das noites mais assustadoras da minha vida, “Medo é ilusão, pequena, vai passar”. Além de cuspir cartas e fazer coisas desaparecerem, você tem o dom de me acalmar. Por isso no instante que tenho em mãos, honro todas as aprendizagens fazendo desaparecer o medo, a ilusão. A angústia que não é minha. Foi com você, mestre, onde eu comecei a respeitar as minhas asas. Aprender que laços não se quebram com a distância, e que o universo habita também dentro de nós. São nas lembranças de dias e noites em frente ao nosso cúmplice, o mar, dias e noites em boa companhia, uma roda de amigos. Saudade não é mais dor, sabia? A minha saudade é pura gratidão. E eu sinto, num lugar aqui dentro, que ainda vamos nos cruzar muitas e muitas vezes. As estradas também são nossas.

   Estou vivendo na cidade onde o sol nasce primeiro em toda América, sabia disso? E vou lhe contar que ando conhecendo tanta gente de sorriso bonito! Tanta gente cheia de simpatia que conquistam no dia a dia o meu encanto. Preciso lhe trazer aqui! A nossa tribo inteira. Apreciar a imagem de Iemanjá em frente ao mar, diante de toda a cidade, e pedir que a rainha dos mares nos dê ainda mais coragem e sabedoria. Preciso amanhecer com vocês outra vez, e rechear meu coração com aquela luz e paz. Apreciar o mistério do planeta... Vamos nos vestir de alegria, como sempre fizemos. Vamos atravessar a ressaca, o mal tempo. Mesmo de longe, a gente se cuida. E vai cuidando, porque é pra ser assim. Gratidão menino coala, eu também aprendi com você, toda a minha gratidão pelo momento em que o destino resolveu nos colocar outra vez, um na vida do outro.

   Quando vejo o mar me lembro de tudo o que senti, num dos anos mais bonitos. E o mar beija meus pés daqui, e beija o de vocês, daí. Vai mandando minhas energias, meu afago... E eu vou aguardando com muita vontade, o momento em que nos veremos outra vez. Cuida-te! Obrigada pelo mundo que você me apresentou, obrigada pelo livro que me entregou, pelo universo que construímos (com tintas, Viajande!). Por ti, todo o meu carinho, admiração, respeito e a-m-o-r! Por nós, pela tribo, pelos viajantes... Toda a fé, os pés descalços na areia da praia, a coragem, a astúcia e a humildade. Fomos grandes enquanto estivemos juntos. Nos tornamos gigantes pelo que construímos.


Com amor, e muita saudade,

A sua aprendiz