sexta-feira, 23 de março de 2012

Uma tarde com Drummond

“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”

E então a gente se sustenta aos pouquinhos e atravessa a vida mesmo estando pelas avessas: A gente tinha que ficar às margens das multidões para sobreviver. É este o motivo das inquietações, meu caro Drummond... As palavras perambulam por dentro da gente procurando uma forma de sair só para narrar sobre as agonias que preenchem o nosso peito. Gastamos meia vida pensando num verso e no fim do dia continuamos com a página em branco. A gente se encontra na poesia dos outros e olha o próprio reflexo com estranheza. Eu continuo andando torta, mas vou sobrevivendo enquanto cato as migalhas. Desde que a poesia inunde as minhas noites eu juro ser capaz de transcender a mais uma morte durante as madrugadas. A gente não sabe, mas quando o sol se põe uma parte nossa adormece para sempre. Fica no passado pra virar verso de saudade na companhia de um café bem quente pela manhã...

“Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.”

Enquanto isso eu sei que choro escondida só pra ninguém questionar as minhas lágrimas. Eu sinto dores de gritos que não são meus, então me ensina a ser uma gauche mais digna, Drummond. A gente vive na sombra, na esquerda, na curva onde os carros se perdem e a solidão de outras vidas se cruzam. Eu lhe juro que não sei ser capaz de suportar um mundo dentro da própria alma, por isso eu escrevo de maneira meio rasgada... Eu não sei viver quando a agonia fica presa no peito e a gente já nem sabe mais como respirar.

Espera por mim que um dia eu chego lá, só pra podermos nos embebedar e soluçar como quem pede desculpas pelo próprio choro. Veja bem... Eu quero abrir a janela, mas não quero deixar o barulho quebrar a minha quietude. A gente se enche de solidão pra dominar a essência do gauche mesmo quando não pedimos por isso. Não dá pra manter o equilíbrio entre este mundo que tocamos e aquele que nos toca. Mesmo quando nos expulsamos através das palavras, ainda não somos capazes de suportar a realidade. Deixa que o surreal tome conta de nós para nos tornarmos um pouco mais dignos. Talvez assim a nossa existência possa ser encarada como algo mais bonito e menos acidental. O teu gauche vem do francês pra nos apanhar e tomar para si a nossa tristeza e solidão. O gauche foi tua fase mais bela, Drummond.

“Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.”






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