sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sobre o reflexo (medo) no espelho


 Me explica, bebê.

 É como estar se desprendendo. E isso implica em arrancar, como se fosse uma camada velha da sua pele. Caem centenas de células o tempo inteiro, e cada uma carrega uma parte de mim. Uma parte que vira um passado cheio de inocência e de arrependimentos também. Mas é um passado bonito, não deixa de ser. E aí eu me deparo com uma pessoa totalmente diferente no espelho, isso me assusta e ao mesmo tempo me acalma. Como se fosse uma mulher que tomasse o lugar e as rédeas. Uma pessoa mais corajosa.

 Como no sonho dos cavalos e do espelho! Fatalmente nos tornaremos aquela mulher que não chora por nada, mas dentro, aquela lágrima... Que carrega o peso de todas as outras, todas as fotografias que você viu sendo mastigadas. Não sei se isso é bom. Lembra do Robert?

 Lembro sim.

 Ele ia experimentando tudo, mesmo o que fazia mal, e a cada vez que ele experimentava, ele queria "subir de nível", e se maltratar mais ainda, mais ainda... Pra ver até onde ele podia chegar. E somos iguais a ele.

 É o que a gente anda fazendo... Pagando pra ver.

— Que bom que tá com medo, bebê. Você precisa disso, igual a mim. 

 Isso é uma coisa boa. Aliás, mais que isso. Porque... Eu não consigo me ver em uma vida que corra para longe dos traços do Robert e tantos outros. 

 Só não quero que a gente tenha o mesmo fim que ele. 

 Não teremos. 

 Como sabe? 

 Porque eu enxergo a Patti. O tempo todo. Um faz parte do outro. O Robert é a parte mais destrutiva que a gente tem aqui dentro. Ele é quem nos força a abrir a janela e sentir vontade de pular só pra sentir o vento contra o rosto e a liberdade. Mas a Patti é quem corre, entende? Ela sente o vento do mesmo jeito e consegue permanecer inteira. 

 Mas... Às vezes sinto vergonha por não ser como ele. Queria saber como é não medir consequências, agir com instinto, sabe? É disso que somos feitos, desde o princípio. Por que a gente não caminha por esse caminho? 

 Eu também sinto. Porque isso nos torna um pouco mais covarde, e a covardia é vergonhosa. Afinal de contas, de que vale uma vida se não podemos vivê-la de maneira heroica?

 Eu sei que pessoas assim terão fins horríveis, mas eu queria não saber disso, ou fingir que não sei, e não consigo.

— O Kurt se suicidou, o Robert morreu da mesma forma que o Cazuza e o Renato... E eu choro às vezes por não ter a resposta para essas indagações.

 Queria tanto que eles voltassem pra dizer se valeu a pena, queria tanto que alguém me dissesse ou que eu tivesse coragem pra descobrir sozinha.


Mariane Cardoso & Isla Cezzani
 

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