quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Uma história que não deveria ser contada.

Eu tenho receio de contar esta história. Existem rachaduras sob a nossa casca e o mundo não é um lugar muito seguro. Talvez o horário não favoreça a ocasião, as estrelas constroem pontes de melancolia durante a frieza das madrugadas. Mas mesmo diante de circunstâncias precárias eu me esforço para sustentar o lápis e atiçar as palavras: As vírgulas, ou melhor, as rachaduras são como socos em meu estômago. Escrevo não por prazer, mas por agonia.

Final dos anos 90 e eu ainda não sabia o que era ser alguém. Sei que gostava de bolinhas de gude, pipas e banhos em águas profundas. Eu tinha a mania de acreditar em tudo o que os outros julgavam impossível e a vida era sempre cheia de grandes possibilidades. Gostava de escrever cartas, ou melhor, desenhá-las. Naquela época ainda não havia sinais de rachadura sob a imensa casa azul... Eu poderia jurar com os dedos cruzados e a inocência que o mundo se destrinchava como em um daqueles livros... Caminhando a gente poderia até levar um, dois ou três tombos, mas no final algo mágico e surpreendente nos aguardava para tornar a vida mais intrigante e poética.

Eu ainda cabia em vestes pequenas e prendia o cabelo com uma fita vermelha. O mundo parecia meu quando eu sentava no banco da frente do carro e viajava sem destinos na companhia do meu pai. A gente ia em direção ao sol, e quando este se deitava do outro lado do horizonte a gente já havia percorrido meia vida. Eu jogava meus pés para cima e não ousava retirar os olhos da estrada: O céu corria comigo. Quando voltávamos para casa a rotina parecia menos pesada e o dia mais azul. Mas eu ainda sentia a angústia de descobrir quem era a menina que eu encarava contra o espelho. O peso da existência é um fardo sobre nossos ombros.

Já crescida eu jurava que sabia o que era sonhar, mas depois de tantas desventuras eu me sinto como uma clandestina aos dezessete. Eu fiquei surpresa quando me olharam com olhos estranhos e confessaram não saber, de fato, quem eu sou. Eu estou presa nos segredos buscando uma arte para tornar a vida um pouco mais digna. Há o passado que é feito correntes entre as minhas pernas, e as noites de desespero. Já não sei de onde vem a calma, e francamente, a desprezo. Eu me descobri como uma sobrevivente que tentou salvar a vida de um poço de mentiras.

Talvez, um dia, eu consiga realizar algo de importante. Certa vez ouvi dizer que histórias para serem verdadeiras, só precisam ser compartilhadas. Eu quero ser um pouco maior pra poder ser do mundo. Ninguém jamais será capaz de destruir as minhas asas, meu maior inimigo é o medo preso pelas minhas entranhas. Eu quero ser capaz de transpor os sentimento até as palavras, só para não perder o costume de me sentir vulnerável. A gente precisa jogar as armaduras no chão para poder viver um pouco mais. Não sou capaz de entender a morte ou qualquer tipo de final. Porque eu não gosto dos créditos depois do filme ou de não ter mais uma página para virar no livro. Parte de mim é a continuação daquilo que o branco consumiu. Parte de mim é o mundo escondido no ponto final. Por favor, não julguem os românticos ou os artistas... Estes são espécies diferentes de humanos. A vida destrinchada diante dos seus olhos é como um café quente pronto para queimar a língua e deixar marcas na pele sensível. Sensibilidade, talvez esta seja a essência do meu mundo.

(...)

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